DIÁRIO DE VIAGEM DO JORNALISTA NUNO FERREIRA (EX-EXPRESSO, EX-PÚBLICO) QUE ATRAVESSOU PORTUGAL A PÉ ENTRE FEVEREIRO DE 2008 E NOVEMBRO DE 2010. O BLOG INCLUI TODAS AS CRÓNICAS PUBLICADAS NA REVISTA "ÚNICA" EM 2008, BEM COMO AS QUE SÃO PUBLICADAS SEMANALMENTE NO SITE CAFÉ PORTUGAL. (Travel diaries of Nuno Ferreira, a portuguese journalist who crossed Portugal on foot from February 2008 to November 2010. contact: nunoferreira62@gmail.com ou nunocountry@gmail.com

29/05/10

VENDA NOVA (MONTALEGRE) CLICAR PARA ACEDER AO MEU GRUPO NO FACEBOOK

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O que eu tenho vindo a atravessar na última semana e depois de mais um intervalo, é mais do que um concelho. Aliás, o Barroso não se esgota no enorme e lindíssimo concelho de Montalegre, como Boticas nos encarregará de explicar. Mas, só o território de Montalegre é inesgotável em paisagem, em humanidade, em contadores de história (os últimos, é certo), em memória de quando tudo era solidário, gregário (vezeiras, bois do povo, fornos do povo...).
Vai-me custar largar o Barroso em direcção a Terras de Basto mas levo comigo as lembranças de muito verde, muita urze, muitos castanheiros, muita água, bois a pastar nos lugares mais improváveis, serranias (Larouco, Gerês) como poucas e as estórias contadas por quem viveu outro Barroso, muito pobre e sofrido: Bento Barroso, ex-contrabandista em Tourém, o Ti Joaquim, o último croceiro, as artesãs de Paredes do Rio, Fernando do "Barracão", o homem das chegas de bois, Jaime da Silva, ferreiro e defensor da tradição em Solveira, António Rolo, artesão de Santo André e, claro está, o Padre Fontes, a figura tutelar, aquele que diz: "Gravem tudo, filmem estas pessoas, gravem o que elas cantam, os seus provérbios, as suas estórias, antes que morram".

Um grande bem haja

Nuno Ferreira

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VENDA NOVA

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A CAMINHO DA VENDA NOVA (MONTALEGRE)

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BARRAGEM DA VENDA NOVA

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FERRAL (MONTALEGRE)

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FERRAL (MONTALEGRE)

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ESTRADA ENTRE COVELO DO GERÊS E FERRAL (MONTALEGRE)

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COVELO DO GERÊS

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AZEVEDO COM PENEDA DE BAIXO (MONTALEGRE) AO FUNDO À ESQUERDA

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PARADELA

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CRÓNICA PUBLICADA NO CAFÉ PORTUGAL (CLICAR PARA LER NO SITE)

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O caminho desce por entre tons verdes, amarelos e arroxeados dos campos do Barroso. Ao longe, o altifalante de um aldeia canta “ave, ave”. Passo por mulheres protegidas do calor por chapéus de palha, guiando pequenas manadas de vacas barrosãs, parando num bebedouro e conversando enquanto estas bebem. Um homem pesca junto ao perfil ainda esguio do Cávado, antes da primeira represa. Regresso à estrada em Fiães do Rio. Uma idosa vestida de negro indica-me a direcção de Paradela. Ultrapasso uma escola primária abandonada, vidros partidos, o quadro de lousa ainda intacto, uma descida, uma quantas casas de estores fechados.
De repente, após uma curva, surge-me o lençol azul da Barragem da Paradela cercado pelo perfil rugoso e imponente do Gerês. É uma parede de pedra que se estende irregular e contorcida tapando todo o horizonte, como que dizendo: “Aqui não passas”. 410
Dali até, pelo menos as Minas dos Carris, é território perigoso, sem trilhos, onde aventureiros arriscam a passagem para dor de cabeça de pessoas como José Carlos Moura, 28 anos. Encontrei José Carlos na aldeia vizinha de Paredes do Rio. Desde criança que explora a montanha, a baixa mas traiçoeira montanha do Gerês. “Aquilo ali é um mini Picos da Europa, só que nos Picos da Europa há trilhos e ali não, só há as mariolas (marcas em pedra deixadas pelos pastores) para nos guiarmos.
José integrou uma equipa de bombeiros de Montalegre que em Fevereiro de 2008 se teve de fazer à montanha em condições muito difíceis para salvar um grupo de montanhistas em apuros. “Limpávamos a neve, quando olhavamos para trás, já não se viam as nossas pegadas”. Foram obrigados, depois de horas a caminhar sobre o manto branco, a parar num abrigo de pastores. “Partíamos o gelo, cortavamos a lenha verde e procurávamos acender o lume lá dentro”. Conseguiram secar as roupas até ao limite do confortável quando a neve começou a derreter com o calor e os voltou a encharcar. Já de dia, passaram o Pico da Nevosa e encontraram-nos a cerca de 1.500 metros, numa zona conhecida por Lamelas. “Graças a Deus as coordenadas deles estavam certas e os encontrámos, se estivessem erradas tinhamos de vir embora. Aquilo ali não é para todos”. Para escapar às exigências do Parque Nacional da Peneda Gerês, a maioria dos que se aventuram ali não se acusam. “Ninguém sabe quantas pessoas andam a atravessar a serra ao fim de semana. Vai continuar a haver acidentes e resgates”, explica José Carlos.
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Contorno a albufeira da Paradela e meto-me na estrada sinuosa que contorna a montanha até às bandas de Cabril. Largo-a perto de Cela para descer por um caminho em terra batida até às cascatas de Cela Cavalo, um oásis de frescura junto ao Rio Cávado. O Barroso não para de me surpreender. “Aí para cima tem mais quedas de água”, explica-me maravilhado um visitante, “ é só subir”.
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Já cai o final da tarde. Acumulam-se nuvens sobre o território de perigo e adrenalina em pedra que me descreveu José Carlos. Ouve-se o som ainda precoce do que virá a ser uma valente trovoada dentro de uma, duas horas. Daí a pouco a chuva lava o asfalto da estrada que atravessa o interminável concelho de Montalegre.
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CELA

FIÃES DO RIO

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FIÃES DO RIO

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FIÃES DO RIO

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TI CARREIRA, PAREDES DO RIO

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BENTA CASELAS, PAREDES DO RIO: "SAIAM DAQUI PARA FORA"

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"Eu disse aos meus filhos", conta Benta Caselas, 62 anos, "saiam daqui para fora, ponham-se na vida, deixai a rês que é um trabalho escravo". Benta Caselas esteve nove anos a tomar conta de um rebanho e conta a prisãoa que estava votada: "Havia uns intervalitos para o crochet mas temos de estar sempre de olho nas rezes, umas apartam-se, vai cada um para seu lado".
Em Paredes do Rio, uma aldeia ex-comunitária cuja associação local transformou em museu vivo, com visitas guiadas e contacto com artesãos e gente da aldeia, era tudo em vezeira, em comum: "Entre Maio e Setembro, juntava-se o gado, havia uma buzina para chamar as rezes e depois era conforme as cabeças que cada um tinha. Quem tinha mais cabeças, ía mais tempo tomar conta delas. Recebia-se cinco coroas cada rez".
Dantes, havia que estar atento aos lobos. "Antigamente havia lobos, agora quase não há. Se estavamos distraídos, lá ía um carneiro. Antigamente, até aqui na riba da aldeia se via lobos, agora..."
Os cães não afastavam os lobos? "Os cães...quem os tinha..."
No princípio de Maio, se durante o Inverno não morrese nenhuma rez ou nenhuma tivesse sido levada por um lobo, levavam uma merenda boa e enfeitavam os cornos de rezes com flor de carqueja e mato vermelho.
"Vinha tudo por aí abaixo, num magote. Era uma festa".

A ALDEIA DOS 22 TEARES

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Paredes do Rio chegou a ter, conta as aldeãs e artesãs, 22 teares de madeira onde tudo o que era vestuário era feito. A economia local era isso mesmo, local. Não existiam supermercados nem prontos-a-vestir. O que se vestia e consumia era produzido na aldeia. Dos teares destas mulheres saíam as colchas, os cobertores, as "farrapeiras", as capas de burel. Aprendia-se com as mães, as tias, de geração em geração. "Era duro, dar ao gatilho era duro mas não havia dinheiro..."

PAREDES DO RIO

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PAREDES DO RIO

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TI MARIA, PAREDES DE RIO

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A vida numa aldeia comunitária contem hoje muitos aspectos romântico-saudosistas mas era dura, suficientemente dura para levar muita, muita gente a emigrar. "Iam seis pessoas segar centeio para o campo com meio litro de água", conta uma aldeã. "Uma vez", conta outra, "estava a cortar centeio, o meu pai mandou-me ir buscar água numa garrafa de vinho do Porto. Parti a garrafa, cheguei a chorar e ainda apanhei uma "data" (lambada) por cima. Agora você garrafas aos pontapés, naquele tempo era precioso".
Para obter vinho para a aldeia (em Paredes do Rio não há vinha) o lavrador pegava num burro e ía para as bandas de Paradela comprar vinho. O burro vinha carregado com 25 litros de vinho em cada odre, um de um lado e outro do outro.
E o vinho era bom ao menos? "Fuuu...olhe, bebia-se, não havia outro..."

ANTÓNIO DE MOURA, CRABUNHADOR, A AFIAR UMA GADANHA

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TI JOAQUIM, ÚLTIMO CROCEIRO DE PAREDES DE RIO E DO CONCELHO DE MONTALEGRE

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O Ti Joaquim tem 85 anos e não faz conta de quantas croças fez. "Antigamente, toda a gente usava as croças para ir para o monte com o gado". Joaquim, ele próprio pastor e agricultor, começou por usar croças compradas em Montalegre. "Demoravam pouco tempo, não enxugavam bem, apodreciam. Eu desmanchei o cabeção de uma delas e fui tentando aprender sózinho e aprendi..." O sorriso do Ti Joaquim é tímido, de aldeão que procura entender o porquê de lhe darmos tanta atenção e atribuírmos ao seu estatuto de último croceiro tanta importância. "E é assim..." e encolhe os ombros.
"De dia ía com o gado para o monte. Ao serão, fazia as croças. Eu era o único a fazer esta parte dos ombros. Ó depois começaram a encomendar-ne croças, uns pagavam, outros pediam por favor..."
Naquele tempo, o junco para executar a croça não abundava como hoje. "Tinha de ir a pé buscar o junco longe porque toda a gente usava o junco. Depois, era chegar a casa, maçá-lo, pô-lo ao sol, penteá-lo com um pente de arames porque os dentes do pente é que esfarrapavam o junco e havia o junco de dentro e o de fora. Não pagava o trabalho..."
A croça criava uma parede intransponível onde não entrava nem neve nem chuva mas que ía pesando à medida que encharcava. "Era pesado mas era muito melhor que essas capas de oleado", remata o Ti Joaquim.
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PAREDES DO RIO

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PAREDES DO RIO

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RUA DAS ALMAS, PAREDES DO RIO

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PAREDES DO RIO

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PAREDES DO RIO

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RIO CÁVADO PERTO DE COVELÃES

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MONTALEGRE-PARADELA

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O LAROUCO VISTO DO CASTELO

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FERNANDO, O REI DAS CHEGAS DE BOIS BARROSOS

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Quando o Torneio de Chegas de Bois Barrosos 2010 começar, no dia 9 de Junho, com uma chega entre um boi de Gralhas e um boi de Paredes de Salto, existirá ali uma figura incontornável, Fernando Moura, mais conhecido por Fernando "do Barracão", o homem que organiza e que relata tudo em directo para a Rádio Montalegre.
"Ainda ontem, fui tirar uma foto a um boi de Gralhas que vai participar", conta Fernando, na sua loja de Montalegre, as paredes forradas de artigos de jornal, fotos, troféus de chegas. "Tive de fugir e saltar a vedação, queria atirar-se a mim".
A paixão pelas chegas começou muito cedo, na aldeia de Barracão. "Nós íamos 20 quilómetros a pé, por caminhos, para assistir a uma chega em Vilar de Perdizes. E todos tínhamos um pau para assistir às chegas e os bois eram os bois do povo de cada aldeia".
A aldeia de Barracão era escolhida, por quem transportava as manadas para o Porto, como local de paragem e abrigo. "O gado fazia 28 quilómetros a pé até à estação Tâmega, parava no Barracão". De noite, os guardadores do gado a dormir, Fernando e os amigos íam escolher o maior e mais forte boi que estivesse ali de passagem e punham-no a lutar com o de Barracão. "Aí se via se o nosso "podia" ou "ficava mal". Nas chegas é assim, o boi ou "pode" ou "fica mal".
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As coisas passavam-se sempre entre a meia noite e a uma da manhã para apanhar os condutores do gado adormecidos. Por vezes, a chega não corria bem. "Às vezes, escapavam-se da chega e íam estrada acima. Outros eram maus. Uma vez um não queria saír, começou a bruar, os guardadores deram com o barulho, ainda levamos umas valentes vergastadas".
Naquele tempo, cada chega cada zaragata. "Uh, havia muita rivalidade entre as aldeias, havia sempre rixas, rachavam-se uns aos outros. A chega era marcada a meio caminho entre uma aldeia e outra e ía tudo a pé, era uma romaria. No fim, zaragata..."
A rivalidade estendia-se ainda às festas e à revista militar: "A revista era em Montalegre. A malta nova ía a pé. No caminho, encontravam-se com os das outras aldeias e lá começava a cocada".
Em 1945, conta Fernando, o presidente da câmara decidiu que não se realizavam mais chegas de bois sem a presença da GNR. "Passou a ter de se marcar a chega e avisar a GNR. Mas se fosse uma aldeia grande, eram precisos por exemplo uns 15 guardas". Resultado: "Quando o pessoal não rachava uns nos outros, era a guarda que começava à coronhada".
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MEIXEDO-MONTALEGRE

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"O povo barrosão é são. Abre-se para qualquer pessoa. É capaz de dar a camisa que tem no corpo para qualquer um e dar de comer e dar abrigo. Se desconfiar ou se sentir ferido, ui, nunca mais"
Fernando "do Barracão", da Associação Etnográfica Boi do Povo

MEIXEDO, O NOVO E O VELHO

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GRALHAS

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