DIÁRIO DE VIAGEM DO JORNALISTA NUNO FERREIRA (EX-EXPRESSO, EX-PÚBLICO) QUE ATRAVESSOU PORTUGAL A PÉ ENTRE FEVEREIRO DE 2008 E NOVEMBRO DE 2010. O BLOG INCLUI TODAS AS CRÓNICAS PUBLICADAS NA REVISTA "ÚNICA" EM 2008, BEM COMO AS QUE SÃO PUBLICADAS SEMANALMENTE NO SITE CAFÉ PORTUGAL. (Travel diaries of Nuno Ferreira, a portuguese journalist who crossed Portugal on foot from February 2008 to November 2010. contact: nunoferreira62@gmail.com ou nunocountry@gmail.com

16/01/10

EM DIRECÇÃO A FREIXO-DE-ESPADA-A CINTA MUITO EM BREVE (CLICAR EM MENSAGENS ANTIGAS PARA ACOMPANHAR A VIAGEM DESDE SAGRES)

TERRITÓRIO PERCORRIDO
Portugal a Pé mapa img161
Tenho este projecto há anos: Atravessar o Portugal profundo a pé, de bicicleta ou de autocarro e comboio. Anos de encarceramento na labuta infernal do jornal diário não me permitiram cumprir o sonho mais cedo. Durante mais de 20 anos, fiz pequenas, médias e grandes reportagens. Até cheguei a ter um cartão em cima da minha secretária onde se podia ler: “Fazem-se pequenas, médias e grandes reportagens”. Para mim, uma reportagem sempre foi saír da redacção, ver e ouvir, perguntar o que for preciso, regressar e escrever. O tamanho não conta.
Tirei gozo de viagens de camião pela Europa ou através do sertão brasileiro ou de atravessar a Índia de comboio da mesma forma que me entusiasmava com reportagens céleres e marcadas pelo cronómetro da azáfama do diário na Cova da Moura, na Quinta da Fonte ou em incêndios florestais ou urbanos. Atravessei a Route 66, escrevi na revista do Expresso e do Público sobre quase todas as estradas nacionais, sobre a vida e morte da Cândida Branca Flor ou do Vitor Baptista, acompanhei claques de futebol até Itália, enfim...Entrevistei o Jorge Palma,os Xutos, a Diana Krall, Norah Jones, B B King, Coldplay, escrevi sobre country, blues e rock. Morri de tédio em conferências de imprensa, em sessões da Assembleia Municipal, bati milhares e milhares de caracteres de breves noticiosas e rescrevi muitos textos. Estava precisamente a regressar um dia à redacção quando o telemóvel tocou. A administração queria-me convocar para o fim da linha. Tinha 44 anos e estava de acordo com o director do jornal “desmotivado”. Farto de tanta ingratidão, peguei na indemnização e vim cá para fora. Durante três meses, a única coisa que fiz foi passear na praia à frente de casa com o meu husky cego por companhia, o Grishka. Como era Outono, tínhamos a Praia de São João da Caparica para nós. Ali assisti à destruição de uma praia pela força do mar, força essa impelida pela ganância dos homens, que roubaram a areia entre a Cova do Vapor e o Farol do Bugio para levarem para a outra margem do Tejo, a dos ricos, a que está sempre primeiro.
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Bom, escrevi um livro sobre políticos e limusinas que vendeu dois mil míseros exemplares e que tinha de procurar nas livrarias em secções tão insuspeitas como informática ou turismo- juro que é verdade- e foi então que começou a ruminar-me no cérebro o PORTUGAL A PÉ. Se toda a gente anda a viajar e a escrever sobre todos os cantos do mundo e a publicar em todo o lado, porque não propor a uma publicação crónicas de uma travessia de Portugal a pé? Foi o que fiz. Enviei um mail ao José Cardoso, então editor da “Única” e fiquei à espera. Em Fevereiro de 2008, já eu desesperava, recebi a luz verde do “Expresso”. Em poucos dias, fui à Sport Zone, comprei o essencial para caminhar à chuva, ao sol e ao vento e parti, nervosíssimo, para Sagres, onde decidi começar a aventura.
Como só tinha de escrever e enviar fotos uma vez por semana, andei ao meu ritmo, sem qualquer preparação física especial, apenas com o andamento de quem andara a passear o cão na praia livre da Caparica outonal. No primeiro dia, percebi imediatamente que tinha levado carga a mais na mochila- atravessei o Algarve com 15 quilos às costas- e descobri ao fim de três quilómetros o que teria de melhor a minha viagem: A cada canto, em cada esquina, há um português com vontade de conversar, de falar da vida. O meu primeiro amigo foi um empregado de um restaurante de Sousa Cintra, perto do Cabo de São Vicente. Ao fim de meia hora de conversa, olhei para o galhardete do Sporting e disse: “Eh pa, o seu patrão só tem um defeito”. Assim descobri que estava em território de Sousa Cintra.
A partir dali, da ventosa Sagres, foi sempre a subir, Portugal acima. Levei com uma enxurrada fenomenal na Bordeira, concelho de Aljezur, barricado num café durante umas duas horas. Acabei a mostrar videos dessa enxurrada aos habitantes. Trepei a minha primeira serra, Espinhaço de Cão, em Março de 2008. Nunca me esquece de um idoso inglês que fotografava a vista do mar lá ao fundo, junto a Monte Clérigo e se saíu com esta: “Quem me dera ter a sua energia”. A partir desse momento, entendi também que seriam pessoas como essas, ao longo de estrada, que me dariam alento para continuar, além das letras do Jorge Palma, da letra “You Never Walk Alone”, das letras do filme “Into The Wild” e do meu gurú Bruce Springsteen. Quando me sinto mais desanimado canto sózinho “Reason To Believe” ou ponho-me a berrar “Sou benfiquista com muito orgulho e muito amor”. Enfim.
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Já tive algumas ínfimas situações menos agradáveis. Em qualquer país, há sempre umas ovelhas ranhosas plantadas onde menos se espera. Posso estar encantado com uma aldeia brilhante e verdejante num vale, descer os quilómetros de serra que me separam da terra e ser mal recebido. Aconteceu uma vez ou outra mas, adiante. Como não posso trazer a palavra jornalista escrita na testa, já passei por cigano, vagabundo, potencial ladrão, peregrino a fátima. Na Serra do Caldeirão, um aldeão viu-me a passar e exclamou: “Atão, nem uma bicicleta tem?” Respondi que tinha dois carros em Lisboa. O homem ficou a olhar para mim de boca aberta.
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Já tive várias povoações com a respectiva população a olhar pasmada para mim, como quem diz: “Que é que faz aqui este maluco, desgrenhado, de mochila às costas?” Quando sabem que sou jornalista, alguns pedem desculpa: “O senhor sabe, anda para aí tanta malandragem, não sabíamos quem você era”. Recentemente, numa zona bravia mas sadia do norte, um habitante aconselhou-me vivamente a cortar o cabelo e fazer a barba: “O pessoal daqui não gosta de gente com brinco ou cabelo comprido. Homem, você está sujeito a levar um enxerto de porrada”. Entrei imediatamente numa barbearia nostálgica e embebida em melancolia numa rua estreita, sentei-me na cadeira de um barbeiro ensimesmado e triste, paguei seis euros e saí um homem novo.
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Tenho feito muitas amizades, se elas perdurarão ou não, não sei. Nunca mais esqueço a dona de uma loja de artesanato em Alte, no Algarve, que sempre repetia: “Você não vai conseguir, não acredito. Portugal a pé? Com esse peso às costas? Não acredito...” Não dá para esquecer os poetas populares do Alentejo, a rimar só para mim nem aquele taxista de Coimbra, que me levou ao meu ponto de re-partida, Góis, e de cinco em cinco minutos batia no tablier e exclamava: “E cum caralho, cum caralho, Portugal a pé, você é um corajoso do caralho”!. E o taxista de Castro Daire que me foi buscar às Portas de Montemuro depois de um corta-mato furioso serra acima: “Foda-se, você é um herói do caralho. Se ganhasse o euromilhões ía consigo!” Em Penedono, o dono de um bar propôs juntar-se a mim na travessia um pouco arriscada da linha do Douro, onde o comboio ainda passa e é preciso encostarmo-nos às pedras ou junto ao rio.
casa do Xico Rouxinol
Estava por alturas de Belver quando liguei para o “Expresso” e me comunicaram que devido a uma remodelação na revista “Única” as minhas crónicas deixariam de ser publicadas em Setembro de 2008. Contei os meus tostões e decidi continuar, apesar de deixar de ter subsídio de desemprego. Criei então este blog e fui à luta. Pedi patrocínios mas a crise está primeiro. Desde que as minhas crónicas cessaram no “Expresso” e enveredei por colocar o meu material na internet, fiquei mais pobre mas passei a ter muito feedback, a receber mensagens de apoio e só Deus sabe como elas são importantes quando se está sózinho a atravessar a Beira Alta, para dar um exemplo recente. “Você pensava que isto aqui era tudo plano? Isto aqui é o distrito de Viseu, é só serras, subir e descer”, explicou-me um beirão em Moimenta da Beira.
De acordo com os meus planos, ainda tenho para calcorrear Trás-os-Montes pelo Tua, depois inflectindo para Freixo de Espada a Cinta, Miranda do Douro, Bragança e Montesinho, Chaves e Montalegre. Sonho em descer por Terras de Basto, atravessar o Parque do Alvão e o Marão, voltar ao Douro, inflectir para o Grande Porto e conquistar o Minho até ao meu destino final de sempre: Lamas de Mouro, na Serra da Peneda.
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Um abraço a todos e não se esqueçam de enviar mensagens positivas, que eu agradeço!!!
 
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