
São seis e meia da manhã na Praia da Torreira. Acabei de assistir ao nascer do sol lá para as bandas da serra. O amarelo torrado do amanhecer desenha um jogo de sombras e luz nas casas da avenida principal. Subo até à beira do mar, viro à esquerda e caminho no silêncio. Por mim passa um pescador numa samarra. Uma peixeira embrulhada num xaile castanho sai de uma casa, espreita o mar e diz: "Tanto frio". O Olá Sampaio ainda lá está, no areal, sózinho, o cordame a fazer-lhe companhia, ninguém por perto.Até que avisto o Zé Murta, o arrais do São Paio, mãos nos bolsos, casaco aos quadrados: "Não vai dar. Ontem rasgámos duas redes, não pescámos quase nada mas ontem estava um mar de senhoras. Hoje não dá para arriscar. Bom, volte daqui a uns dias, na internet dão bom mar para quinta-feira".
Entrei na primeira padaria a abrir na Torreira. Mulheres e homens vão chegando à porta e entram num corropio mal ela é aberta. Discutem a ordem de chegada, falam do último falecimento. Deixo-me ficar, tenho todo o tempo do mundo. Até que uma varina de vestida a rigor me pega no braço: "Oh criatura, venha cá, chegue-se à frente, vocês estava primeiro!"