DIÁRIO DE VIAGEM DO JORNALISTA NUNO FERREIRA (EX-EXPRESSO, EX-PÚBLICO) QUE ATRAVESSOU PORTUGAL A PÉ ENTRE FEVEREIRO DE 2008 E NOVEMBRO DE 2010. O BLOG INCLUI TODAS AS CRÓNICAS PUBLICADAS NA REVISTA "ÚNICA" EM 2008, BEM COMO AS QUE SÃO PUBLICADAS SEMANALMENTE NO SITE CAFÉ PORTUGAL. (Travel diaries of Nuno Ferreira, a portuguese journalist who crossed Portugal on foot from February 2008 to November 2010. contact: nunoferreira62@gmail.com ou nunocountry@gmail.com
26/03/10
EM RIO DE ONOR
Estou finalmente a atravessar o Parque Natural de Montesinho na direcção de Vinhais e Chaves. Rio de Onor, a mítica, recebeu-me debaixo de chuva (quando é que ela para?). Uma Rio de Onor muito diferente daquela que encontrou Jorge Dias mas continua a ser um ponto no mapa que nos faz sonhar com tempos que acabaram, ruralismo, vida em comunidade, boi do povo e mais que tal. Restam as memórias. "Onde já vai o boi comunitário. E vacas, temos duas, havia 200...quem quer trabalhar o campo?", comenta um aldeão nas instalações da associação local, onde me abrigo da chuva.
Abraço a todos
Nuno Ferreira, Rio de Onor, 24 de Março de 2010
nunocountry@gmail.com
25/03/10
Deixei Guadramil entregue à sua sorte, ao seu abandono. Em 2003 construíram uma estrada esfaltada entre a povoação e Rio de Onor mas a atmosfera de aldeia fantasma e de fim da linha, perdida no fim do mundo não deve ter-se alterado muito. Aqui um fio de fumo de uma chaminé de uma casa com telhado em lousa que reluz por segundos quando o sol procura intrometer-se pelo tecto carregado de nuvens feias. Na subida, depois de atravessar a ponte da aldeia, um homem ofereceu-me boleia num tractor, a única vivalma nos seis quilómetros até Rio de Onor. Foi já lá no topo, o vale verde de Guadramil perdido na borrasca, as nuvens baixas engolindo o Parque de Montesinho, que a chuva começou a escorrer do capuz para as calças e das calças impermeáveis para os ténis, por incrível que pareça, os mesmos (as solas a pedirem ajuda) que partiram de Sagres.
GUADRAMIL, ALDEIA QUASE FANTASMA
Casa “esburralhada” de uma aldeia quase deserta.
"Lá muito para traz de Trás-os-Montes
Na terra raiana do sol poente
Guadramil forja o ferro e a gente
Entre o xisto, as sesões e as fontes
Bate a burra caminhos dos horizontes
- Tic-toc! … Tic-toc … em passo dolente
À espera do sol que vem do nascente
E a tocar rebanhos pelos montes
Na comunal vida de cada dia
Olha Riomazanas e suas irmanas
-Terras da calma e da nostalgia!…
E entre os escanos e a casaria
O nevão branqueia as horas serranas
- Mas o sol volta e calda a serrania!…
Campos Almeida
Tal como Rio de Onor, Guadramil era uma aldeia comunitária, casas tradicionais, dialecto próprio, o "guadramilês". Hoje vivem lá as últimas 30 pessoas e muitas das tais moradias do tempo da comunidade e do trabalho no campo apodrecem ao sabor do vento, da chuva, do tempo. Fascinaram-me sobretudo as portas (ao menos preservem as portas) mas atormentou-me o silêncio daquelas ruelas. Na minha curta passagem por Guadramil, vi uma solitária carrinha dos CTT, o homem do tractor que perguntou se queria boleia e uma velhinha sentada junto ao rio e com umas galinhas debicando mentiras por perto.
"Lá muito para traz de Trás-os-Montes
Na terra raiana do sol poente
Guadramil forja o ferro e a gente
Entre o xisto, as sesões e as fontes
Bate a burra caminhos dos horizontes
- Tic-toc! … Tic-toc … em passo dolente
À espera do sol que vem do nascente
E a tocar rebanhos pelos montes
Na comunal vida de cada dia
Olha Riomazanas e suas irmanas
-Terras da calma e da nostalgia!…
E entre os escanos e a casaria
O nevão branqueia as horas serranas
- Mas o sol volta e calda a serrania!…
Campos Almeida
Tal como Rio de Onor, Guadramil era uma aldeia comunitária, casas tradicionais, dialecto próprio, o "guadramilês". Hoje vivem lá as últimas 30 pessoas e muitas das tais moradias do tempo da comunidade e do trabalho no campo apodrecem ao sabor do vento, da chuva, do tempo. Fascinaram-me sobretudo as portas (ao menos preservem as portas) mas atormentou-me o silêncio daquelas ruelas. Na minha curta passagem por Guadramil, vi uma solitária carrinha dos CTT, o homem do tractor que perguntou se queria boleia e uma velhinha sentada junto ao rio e com umas galinhas debicando mentiras por perto.
O HOMEM DA FORQUILHA
Já saía de Deilão quando comecei a ouvir as passadas do homem atrás de mim. Um tipo alto, branco, cabelo aloirado, olhos claros, passada larga em bota de cano alto, quatro cães pequeninos a brincar e cirandar à sua volta. Em breve chegaria à minha beira. Trazia uma forquilha apoiada sobre o ombro direito. Seguimos juntos dois, três quilómetros. Ia tratar do campo que tinha sido estraçalhado pelos javalis. Os adversários dos últimos agricultores de Deilão são os javalis e as cabras selvagens. "Aquelas de cornos grandes, cornos aí de dois metros. Dão cabo de tudo". Os javalis também. "O Parque (Parque Natural de Montesinho) não nos deixa apanhar lenha, não podemos dar um tiro num javali nem num lobo. O povo está todo contra o parque".
Comento, enquanto nos embrenhamos numa zona de pinheiros e os cães executam corridas para lá e para cá, que deve ser complicado ter de ir buscar lenha fora do parque. O homem da forquilha não diz nada, olha em frente. "Os lobos bem podiam andar aí pela serra mas não, eles querem é encher a barriga de galinhas. Bom, agora vou-me ficar por aqui". O homem da forquilha desaparece mais os cães reguilas num caminho de terra batida entre pinheiros. Vai corrigir o que o javali fez ao campo. Tenho impressão que é uma guerra perdida. Malditos javalis...
Comento, enquanto nos embrenhamos numa zona de pinheiros e os cães executam corridas para lá e para cá, que deve ser complicado ter de ir buscar lenha fora do parque. O homem da forquilha não diz nada, olha em frente. "Os lobos bem podiam andar aí pela serra mas não, eles querem é encher a barriga de galinhas. Bom, agora vou-me ficar por aqui". O homem da forquilha desaparece mais os cães reguilas num caminho de terra batida entre pinheiros. Vai corrigir o que o javali fez ao campo. Tenho impressão que é uma guerra perdida. Malditos javalis...
PASTOR, SÃO JULIÃO (BRAGANÇA)
Estava a morrer de fome às portas de São Julião de Palácios quando me apareceu o pastor mais as suas ovelhas. "Você vira ali à esquerda e na estrada principal tem um restaurante". Já passava das três horas da tarde quando entrei no vazio Restaurante Lombardês. "Já não tenho nada, até a lareira está quase sem lenha. Mas, espere aí, ainda lhe posso fazer um bife com ovo, quer?" Devorei o bife, o ovo, as batatas, enquanto a Júlia Pinheiro entrevistava um pai cuja mulher o abandonara com seis filhas nos braços. "Há pessoas que não têm sensibilidade nem preparação para ter filhos", comentou uma terapeuta, psicóloga, uma senhora que ali está para rematar a questão depois do homem ter deliciado a plateia com pormenores da separação. "Ela não prestava", diz, com um sorriso e um encolher de ombros.
A minha anfitriã, ex-emigrante- "Paris? Detesto Paris"- combate como pode a melancolia de mais um dia cinzento em São Julião e anseia por Agosto. "Isto assim é um stress, não há ninguém, não há nada para fazer, é um stress". Lembro-me de um indíviduo que uma vez em Jericoacoara, Ceará, Brasil, entre dunas, palmeiras e uma brisa de 25 graus se me queixou de stress.
Quando é que a dona do restaurante não tem stress. "Agosto, Agosto é o mês mais feliz do ano, chego a não fechar a porta porque estão uns a chegar da última festa e outros a vir tomar o café da manhã. É festas, casamentos, baptizados, se vier aqui em Agosto não reconhece a aldeia, é gente por todo o lado".
E depois? "Depois é uma tristeza. Quando o último vai embora, eu choro. Fecho o restaurante durante quinze dias, fico triste".
A minha anfitriã, ex-emigrante- "Paris? Detesto Paris"- combate como pode a melancolia de mais um dia cinzento em São Julião e anseia por Agosto. "Isto assim é um stress, não há ninguém, não há nada para fazer, é um stress". Lembro-me de um indíviduo que uma vez em Jericoacoara, Ceará, Brasil, entre dunas, palmeiras e uma brisa de 25 graus se me queixou de stress.
Quando é que a dona do restaurante não tem stress. "Agosto, Agosto é o mês mais feliz do ano, chego a não fechar a porta porque estão uns a chegar da última festa e outros a vir tomar o café da manhã. É festas, casamentos, baptizados, se vier aqui em Agosto não reconhece a aldeia, é gente por todo o lado".
E depois? "Depois é uma tristeza. Quando o último vai embora, eu choro. Fecho o restaurante durante quinze dias, fico triste".
SÃO JULIÃO DE PALÁCIOS
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