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Nas minhas caminhadas pelos buracos mais escondidos do país, tenho encontrado muitos Ti Manés, homens idosos, que viveram um tempo e uma crise cem vezes pior que a de hoje e que se riem quando lhes falo das dificuldades actuais. Alguns já se acostumaram a que os mais novos achem as suas histórias exageradas: “Dizem que estou a inventar”.
Austero e empedernido como as pedras das arribas do Douro Internacional, Ângelo Arribas, mestre da gaita de foles, contou-me em Freixiosa, Miranda do Douro, como foi entre muitas dificuldades e pobreza que construíu a sua primeira gaita: “Eramos pastores, eu e os meus irmãos, andavamos aí ao frio, à neve. A música era a nossa única distracção. O meu primeiro tamboril foi feito com pele de coelho aparada com uma lâmina de barbear e os aros foram feitos a partir de uma lata de conservas. A minha primeira gaita de foles foi feita com palhetas de canas de centeio e pele de rato. Se não acredita pergunte aqui ao meu irmão...”
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Em Abril deste ano, em Moimenta da Raia, Vinhais, foi-me apresentado um rijo e desassombrado ex-contrabandista, o Ti Fernando de Casares. O Ti Fernando falava sem pejo da realidade daquele tempo, de quando colocavam pedras no rabo dos burros para eles passarem a fronteira sem fazer barulho ou de quando (imagine-se) punham aguardente nos ouvidos dos porcos para eles não chiarem no caminho.
Passava fardos de 40 a 50 quilos entre o caír da noite e o raiar da aurora, tabaco, bacalhau, burros, porcos, cobre, numa época em que grande parte da população se dedicava ao contrabando.
No final de cada história, Fernando virava-se para a pessoa que mo tinha apresentado e comentava: “Agora, nós estarmos a falar do que era aquele tempo, esta gente nova não se acredita...”
Na Amareleja, a 80 quilómetros de Beja e 9 de Espanha, na terra onde os termómetros chegam no Verão aos 47 graus, os mais velhos encolhiam os ombros sempre que lhes falava em crise. A expressão usada era sempre a mesma: “Oh, nos tempos da miséria...” Entre jogatanas de dominó, xito (malha) na praça da Torre do Relógio à tarde, entre um copo de tinto e pedaços de porco preto espetados em palito de madeira, os idosos relembravam tempos muito mais duros.
![Antonio+Jose+Ferreira,+Manuel+Carrilho+e+Jos%C3%A9+Ferreira+Cantarinho+(esq+para+dir)[1]](http://farm5.static.flickr.com/4088/5059452283_a62d6b99ee.jpg)
“Dizem que a vida está má...e no nosso tempo?”, perguntava José Cantarinho, ex-guardador de vacas, ex-empregado de café. “Fui à ceifa para aquelas barreiras de Bucelas que aqui era fraco”. António José Ferreira, companheiro de dominó, fez podas, ceifas, labutou numa fábrica de automóveis em Amiens, na França e aguentou 16 abaixo de zero na Suíça a trabalhar em estufas. Agostinho Caetano, andou nas obras em Lisboa, na beterraba em França e jardinagem na Suíça. “Agora é tudo máquinas. Nos tempos da miséria, uh...”
