DIÁRIO DE VIAGEM DO JORNALISTA NUNO FERREIRA (EX-EXPRESSO, EX-PÚBLICO) QUE ATRAVESSOU PORTUGAL A PÉ ENTRE FEVEREIRO DE 2008 E NOVEMBRO DE 2010. O BLOG INCLUI TODAS AS CRÓNICAS PUBLICADAS NA REVISTA "ÚNICA" EM 2008, BEM COMO AS QUE SÃO PUBLICADAS SEMANALMENTE NO SITE CAFÉ PORTUGAL. (Travel diaries of Nuno Ferreira, a portuguese journalist who crossed Portugal on foot from February 2008 to November 2010. contact: nunoferreira62@gmail.com ou nunocountry@gmail.com

27/07/08

PORTIMÃO MARÇO DE 2008

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PORTIMÃO MARÇO DE 2008

portimão

CASINO (CRÓNICA PUBLICADA NA "ÚNICA")

casino

A Praia da Rocha pode ser um local bem solitário numa noite fria de Março. Que o diga Diana Rosa, uma figura esguia, os cabelos castanhos caindo sobre os ombros, de cuja voz saem clássicos de todos os tempos e estilos, canções para o jantar. A sala, uma trintena de mesas de toalhas brancas a meia luz, é de um vermelho feroz: Holofotes encarnados, músicos de camisas encarnadas, abajours vermelhos, cadeiras e guardanapos encarnados. De vez em quando, ouvem-se umas risadinhas por detrás das pesadas cortinas encarnadas e alguém espreita a sala. São as jovens do espectáculo de “celebração da mulher”, “La Femme”, celebrando as suas próprias vidas antes de actuarem.
Palmeiras espreitam das vidraças enormes junto às quais jantam os únicos comensais. De cada vez que Diana Rosa e os Supremos terminam um tema, abate-se sobre o salão do Hotel Algarve Casino um silêncio constrangedor.
Diana sola mais uma e uma vez. O casal abandona a sala. Ao fim de dois copos de “Romeira” tinto, abalanço-me a bater as palmas. Diana solta um “obrigado” melancólico, o primeiro de muitos porque não me cansarei de fazer “clap, clap” com a força braçal de um desesperado.
Enebriado com a regalia de um salão de casino só para mim, aplaudo os peitos redondinhos e as pernas esguias, brancas e saudáveis das dançarinas do espectáculo que uma voz masculina anuncia: “Senhoras e senhores, eis um tributo às extraordinárias, dominantes, altruístas e assertivas mulheres!”
À meia noite, ainda lá pairo, náufrago na vermelhidão do salão-restaurante, quando me apercebo que a banda só parará de tocar quando me for embora. Bato em retirada para cuidar das pernas e dos pés sofridos de uma caminhada por entre as conchas da Meia Praia, os windsurfers e apanhadores de marisco da ria do Alvor, as pedras do caminho de ferro no Vale da Lama, as laranjeiras de Figueira, o golfe da Penina, as falésias da Praia dos Três Irmãos.
Lagos, a liberal, onde assentara praça no “Three Monkeys”, aquele tipo de bar onde Diana e os Supremos acabariam a cantar “Should I Stay Or Should I Go” após umas rodadas de shots e cervejas, ficara para trás há muito. A noite caíra sobre o Alvor e eu perdido entre um dédalo de moradias brancas e fantasmagóricas de um aldeamento fantasma. Pela frente, esperar-me-iam ainda rotundas e fileiras de torres vazias, um ou dois apartamentos iluminados numa vastidão de 15, 20 pisos até ao casino. “Vais dormir na praia?”, perguntara-me um solitário segurança romeno saído de um contentor. A Praia da Rocha pode ser um local bem solitário numa noite fria de Março.

PRAIA DA ROCHA

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Estava a passar junto aqueles prédios e a pensar que nem que me oferecessem um milhão de euros ali compraria um apartamento quando ouvi um casal espanhol: "Mira, que bonito!"

PRAIA DA ROCHA RURAL

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PRAIA DA ROCHA

praia da rocha

PRAIA DOS TRÊS IRMÃOS

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Cheguei ao núcleo antigo do Alvor e acabei a comer peixe grelhado e a ajudar um empregado com umas jornalistas de uma rádio belga que me pareceram não saber exactamente onde estavam, que país era este ou a diferença entre um Rioja e um Valle Pradinhos. Uma garrafa de vinho branco depois, acabei a atravessar esta praia, ao pôr do sol.

ROUPA

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ALVOR, MARÇO DE 2008

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ESPANTALHO NO ALVOR

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AERÓDROMO DO ALVOR

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ALVOR

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O ÚLTIMO PASSAGEIRO

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Eu estava naquele torpor prazenteiro de ver o comboio a desfilar a dez à hora por alfarrobeiras e e ervas altas quando vejo este tipo a atirar-se desesperadamente à carruagem como se dali dependesse a sua vida. Que estupidez, que gasto de energia...

COMBOIO

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Não, não é uma composição do metro de Nova Iorque, é o comboio do Ramal de Lagos.

RAMAL DE LAGOS

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O Ramal de Lagos remete-nos para tempos que não virão mais, faz-me lembrar de cada vez que vejo o "Ao Correr do Tempo" de Wim Wenders. Esperar por uma composição é um exercício que pode ter tanto de paciência quanto de relaxamento. Ali, definitivamente, o tempo parou.

MEXILHOEIRA

estação cf Mexilhoeira

ESTAÇÃO DA MEXILHOEIRA

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WELCOME TO YOUR OWN COUNTRY

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ENTRE ODIÁXERE E MEXILHOEIRA

Odiáxere-Mexilhoeira

ODIÁXERE

Odiáxere 2

RIA DO ALVOR

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Tratando-se de atravessar a Ria do Alvor, decidi seguir o caminho mais directo, pois então...

CASA DE APANHADOR DE MARISCO, RIA DO ALVOR

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RIA DO ALVOR

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Depois de atravessar a Meia Praia, deparei com a barreira física da Ria do Alvor. Toca a contorná-la

AMOR NA ESTAÇÃO DE LAGOS

estação de lagos

O SOLITÁRIO

lonely guy bar lagos

THREE MONKEYS, LAGOS

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Este fã do Chelsea embirrou que tinha de torcer pelo Sporting em dia de Sporting-Benfica. No fim, ainda me virou o cachecol ao contrário...

EM FRENTE AO THREE MONKEYS, LAGOS

em frente ao Three Monkeys
Estava a apanhar ar em frente ao Three Monkeys quando aparece uma mulher a cavalo. Um cliente inglês quis logo montar.

THREE MONKEYS, LAGOS

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Estava a tirar esta foto sem flash no bar de rock mais agitado de Lagos, uma versão lacobrigense do "Coyote Ugly", quando um calmeirão loiro me chamou. "Porque tiras fotos? És algum tipo de tarado ou quê?" Expliquei que era jornalista. O homem era australiano e não gostou que eu estivesse a tirar fotos à namorada a jogar snooker.

PODES DIZER O QUE VEM NESSA MENSAGEM? (CRÓNICA PUBLICADA NA "ÚNICA")

“Podes me dizer o que vem nessa mensagem?” A carrinha branca vinda das bandas da Barragem da Bravura acordara o vale das laranjeiras com buzinadelas frementes, de tal maneira que a gata Nina e a filhota correram rua acima acreditadas de que era o homem do peixe. Puro engano. Saíu-nos este passarão a vender roupa desde Silves. “É que eu não sei ler. Lê lá...” Caixa de mensagens, botão da esquerda, carregar ok: “hum, diz aqui...”
Pressenti o homem da camisa das riscas aberta no peito roer por dentro de ansiedade: “Leia, leia lá...” Diz que...oh embaraço... (leio em voz baixa para as mulheres não escutarem): “Oi lindo, queres vir ter comigo, se quiseres liga o 036...” O homem ri, brilham-lhe os olhos esverdeados e ao rir escancara a boca desdentada: “Eh lá, mas isso é lá de cima. Faz-me só mais um favor, apontas aí o número?
Recebera o vale perdido de Romeiras como uma uma benção depois de quilómetros de Espinhaço de Cão, uma serpente quente e crua de asfalto trepando desde Aljezur entre fatias de xisto, a monotonia do eucaliptal e o discurso desencantado dos serranos: “ Se isso me continuar, abalo também. Não há trabalho. Um moço aqui da aldeia vai vender o carro e a casa. Isto em morrendo os velhos, não fica aqui ninguém”, desabafara um homem junto à gasolineira de Marmelete.
Romeiras, a verde, soou-me a “Música No Coração”: O som da água na ribeira, o ladrar de um cão ao longe, um galo equivocado em relação à hora do despertar, a voz de uma criança seguindo um mulher de bata vestida: “queres mais palha, queres?”
De repente, um cão chamado Tavares, um homem de foice na mão, uma mulher escondida atrás de um balcão na penumbra, um bailarico de moscas rodopiando no centro da sala branca despida. “Essas fotos são para quê? Porque é que fotografou a minha casa? E está escrevendo sobre o meu café? O senhor desculpe, acho estranho, costuma-se pedir autorização primeiro...”
Uns cem metros à frente, outro café: “Oh, aquilo é gente que desconfia de tudo”. A Nina e a cria seguem a idosa de chapéu de palha enquanto esta acende o lume, corta as batatas, assa os frangos. Nina é cega de um olho mas mais atenta às carrinhas de venda que um prescrutador de baleias do Pico. À segunda é de vez, é a Renault do homem do peixe, jogando dois carapaus no cimento. “Atão Nina? Sabe bem, não sabe?”
Uns quinze quilómetros de deserto e desaguo em Odiáxere, encadeado pelos faróis dos camiões, as buzinadelas, as travagens junto aos semáforos da EN 125. No restaurante de estrada “A Choupana”, todos têm pressa. “As pessoas não percebem que só temos duas mãos...”, desabafa Florita, a romena. Elsa e Abel Serôdio têm urgência de comprar peixe no viveiro de Odiáxere para vender no mercado de Albufeira: “Oh mas já ninguém compra à gente. Vai tudo aos hipermercados. Isto está muito mau”.
Pelas três da tarde, o comedouro, aberto desde as 5h30, esvazia como um fole. Há tempo para o assador de leitões, João Silva exibir as tatuagens e falar de Metallica e Florita e as brasileiras Marlene e Eliane adquirirem finalmente um pouco de sossego. “Poxa, estava morrendo de fome...”

JOÃO SILVA, O ASSADOR DE FRANGOS

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O João mostrou-me as tatuagens e falou comigo sobre o seu assunto predilecto: Heavy Metal e especialmente Metallica.

MARLENE E ELIANE, RESTAURANTE CHOUPANA

Marlene e Eliane
Marlene e Eliane, empregadas brasileiras do "A Choupana".

ELSA E A DONA DO CHOUPANA

Elsa no Restaurante A Choupana
"Não pode desanimar Dona Elsa, tem de ir para a frente!"

ELSA E ABEL, VENDEDORES DE PEIXE EM ALBUFEIRA

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Encontrei Elsa e Abel no restaurante de estrada "A Choupana" e acabámos a conversar sobre os tempos difíceis, a destruição de Albufeira e as dificuldades porque passávamos, eu no jornalismo e eles na venda de peixe. Abel nasceu junto ao porto de Albufeira mas tem vergonha de ir ver o mar ao local onde nasceu. Desde que transferiram o mercado do centro para a "nova Albufeira", Elsa e Abel vendem cada vez menos peixe.

QUASE EM ODIÁXERE

Bravura-Odiáxere
Quase...Nesse dia, deixei-me ficar à conversa no segundo e bem mais simpático café de Romeiras e quando dei por ela eram cinco da tarde e ainda tinha 12 quilómetros para fazer até Odiáxere. Quando, depois do banho de campo, aterrei às 9h00 da noite na EN 125 pensei que estava num outro planeta.
 
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