DIÁRIO DE VIAGEM DO JORNALISTA NUNO FERREIRA (EX-EXPRESSO, EX-PÚBLICO) QUE ATRAVESSOU PORTUGAL A PÉ ENTRE FEVEREIRO DE 2008 E NOVEMBRO DE 2010. O BLOG INCLUI TODAS AS CRÓNICAS PUBLICADAS NA REVISTA "ÚNICA" EM 2008, BEM COMO AS QUE SÃO PUBLICADAS SEMANALMENTE NO SITE CAFÉ PORTUGAL. (Travel diaries of Nuno Ferreira, a portuguese journalist who crossed Portugal on foot from February 2008 to November 2010. contact: nunoferreira62@gmail.com ou nunocountry@gmail.com
26/07/08
VALE DO LOBO
Um Vale do Lobo ruralíssimo. Do jornal, alguém mandou perguntar se aquele Vale do Lobo tinha alguma coisa a ver com o Vale do Lobo das vedetas.
TAVARES, O CÃO DA CASA PACHECO, ROMEIRAS
Romeiras é um vale abençoado de laranjas e verdura depois da secura calcinada da serra. Mal vi a Casa Pacheco, decidi pousar a mochila, beber uma água e conviver com os primeiros seres humanos que via desde há horas. Acabei a ouvir "mas porque está a escrever?" e "não é costume tirarem fotografias à casa". A hospitalidade dos serranos algarvios em todo o seu esplendor.
ROMEIRAS
CRIANÇAS NA ESCOLA DE MARMELETE
As primeiras pessoas a visualizarem-me em Marmelete foram as poucas crianças em pleno recreio da escola. Devido ao incêndio de 2003 e ao desemprego, cada vez há menos crianças na Serra de Monchique e muitas são estrangeiras. Em Marmelete percebi pela primeira vez como o Algarve ainda vivia sob o síndroma Maddeline MCain. Era quase proibitivo tirar uma foto ou falar com uma criança por aquelas bandas.
MARMELETE
SERRA DE ESPINHAÇO DE CÃO
EQUIPAMENTO A SECAR EM ALJEZUR
CHOVEU TODA A SANTA NOITE (CRÓNICA PUBLICADA NA "ÚNICA"
Chovera toda a santa noite. Carrapateira, a branca, acordou sob um céu pesado e invernal, uma corrente de água castanha a descer dos montes pelos paralelepípedos abaixo. Pensei: foi isto, o maldito alerta amarelo foi isto. Como a teimosia tem muita força e estava um pouco farto de ouvir falar em captura de perceves e polícia marítima, peguei na mochila, enfiei a roupa impermeável e debandei em direcção às dunas, decidido a atingir a praia da Bordeira pelo areal.
A primeira rasteira veio da própria ribeira da aldeia. A água lamacenta estendera-se num lago que me fez cirandar irritado pelo sapal e procurar contornar a pequena laguna pela estrada. Percebi rápidamente o mesmo que três jovens surfistas espanhois: O caminho em tábuas de madeira que desce para a praia, estacava abruptamente nas águas revoltosas da ribeira que cortavam as duas margens de areia como frágeis fatias de um bolo.
À saída da aldeia, já sob chuva torrencial, um alemão surgiu de uma reconstruída casa rural em pedra de xisto. “Vem para cá, não vais querer ir a pé com um temporal desses”, chamou, uma chaleira numa mão e um bocado de pão na outra. Apontei para a sua banca de abóboras com um cartão “vende-se” cruelmente fustigado pela ventania e respondi: “Também me parece que não vais conseguir vender abóboras hoje”. Sorriu, fechou a porta e eu continuei a minha caminhada insensata em direcção a Aljezur. Portugal a pé? Naquele momento, o termo apropriado seria massacre a pé. Deixara Sagres posta em sossego e sob um sol primaveril dois dias antes, homens a jogar boliche na praça central, surfistas de pernas espetadas no tablier dos jeeps, nómadas loiros beberricando cerveja junto a auto-caravanas.
Cruzara falésias brancas de calcário, o verde recortado dos carrascos competindo com o amarelo da perpétua, a das areias. Cumprimentara uma pastora do seculo XXI, observando as ovelhas à distância, o bordão dentro da viatura. Jogara calhaus rolados na Praia do Castelejo só para escutar o baque surdo nas águas, chutara pinhas, falara sozinho, cantara Jorge Palma no Miradouro da Barriga- “Eu venho do nada porque arrasei o que não quis em nome da estrada onde só quero ser feliz...
Agora, a caminhada não passava de um exercício insano, varrida por água e vento em revoadas. Parei à entrada da Bordeira, a pequena aldeia branca sob um dilúvio de chuva. Foi quando vi a senhora, num terraço. Um rio caudaloso descia lá de cima, das serranias e ameaçava invadir-lhe a casa. Corri. Refugiei-me no café da terra, uma ilha num oceano de água lamacenta e zangada, a tempo de ver Rafael Santos, o presidente da Junta de Freguesia: “Temos de tirar dali o Ti Chico, ‘tá acamado, tem de saír dali”. A dona do café, sempre a limpar a água com uma vassoura: “Aquilo ali, no meio da água, é um pedaço de alcatrão? Minha Nossa Senhora...”
GALÊS PACIENTE
O tipo do guarda-chuva azul é do País de Gales e vive parte do ano na Bordeira. Nada como ser do norte da Europa. Ainda bebemos um copo juntamente com um professor de fotografia paisagística de Glasgow, nada impressionado com a força das águas: "Para a semana tenho de ir lá acima dar umas aulas, não me apetece nada..."
BORDEIRA
Esta foi a primeira casa que eu vi quando corri para o centro da aldeia. Vi uma senhora no terraço e as águas a correrem mesmo à sua frente. Gritei em inglês para uma estrangeira que era preciso tirá-la dali. Ainda não sabia que na Bordeira, construída em leito de ribeira, as enxurradas são frequentes.
BORDEIRA
DILÚVIO NA BORDEIRA
ENTRE A CARRAPATEIRA E A BORDEIRA
RIBEIRA DA CARRAPATEIRA NO DIA EM QUE CHOVEU TUDO
ABRIGO NA CARRAPATEIRA
VISTA DO MIRADOURO DA BARRIGA
PRAIA DA CORDOAMA
Estrada para Vila do Bispo
FÃ DO MANCHESTER UNITED
A gata do Cabo
Restaurante de Sousa Cintra junto ao Cabo de São Vicente
Entro neste enorme e vazio restaurante e dou de caras com aquela parafernália de animais empalhados. Pedi autorização para fotografar. Só ao fim de meia hora de conversa e depois de eu ter comentado que o único defeito da casa era o estandarte do Sporting, o empregado me explicou a rir que o dono era o Sousa Cintra. Entretanto, entra um guia que explica em inglês aos turistas: "I think the old man is still alive. He says he chased them. Well, I prefere to see the animals alive but..."
A caminho do Cabo de São Vicente
Sagres, Fevereiro de 2008
25/07/08
A primeira refeição do Portugal a pé
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