DIÁRIO DE VIAGEM DO JORNALISTA NUNO FERREIRA (EX-EXPRESSO, EX-PÚBLICO) QUE ATRAVESSOU PORTUGAL A PÉ ENTRE FEVEREIRO DE 2008 E NOVEMBRO DE 2010. O BLOG INCLUI TODAS AS CRÓNICAS PUBLICADAS NA REVISTA "ÚNICA" EM 2008, BEM COMO AS QUE SÃO PUBLICADAS SEMANALMENTE NO SITE CAFÉ PORTUGAL. (Travel diaries of Nuno Ferreira, a portuguese journalist who crossed Portugal on foot from February 2008 to November 2010. contact: nunoferreira62@gmail.com ou nunocountry@gmail.com

29/05/10

FERNANDO, O REI DAS CHEGAS DE BOIS BARROSOS

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Quando o Torneio de Chegas de Bois Barrosos 2010 começar, no dia 9 de Junho, com uma chega entre um boi de Gralhas e um boi de Paredes de Salto, existirá ali uma figura incontornável, Fernando Moura, mais conhecido por Fernando "do Barracão", o homem que organiza e que relata tudo em directo para a Rádio Montalegre.
"Ainda ontem, fui tirar uma foto a um boi de Gralhas que vai participar", conta Fernando, na sua loja de Montalegre, as paredes forradas de artigos de jornal, fotos, troféus de chegas. "Tive de fugir e saltar a vedação, queria atirar-se a mim".
A paixão pelas chegas começou muito cedo, na aldeia de Barracão. "Nós íamos 20 quilómetros a pé, por caminhos, para assistir a uma chega em Vilar de Perdizes. E todos tínhamos um pau para assistir às chegas e os bois eram os bois do povo de cada aldeia".
A aldeia de Barracão era escolhida, por quem transportava as manadas para o Porto, como local de paragem e abrigo. "O gado fazia 28 quilómetros a pé até à estação Tâmega, parava no Barracão". De noite, os guardadores do gado a dormir, Fernando e os amigos íam escolher o maior e mais forte boi que estivesse ali de passagem e punham-no a lutar com o de Barracão. "Aí se via se o nosso "podia" ou "ficava mal". Nas chegas é assim, o boi ou "pode" ou "fica mal".
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As coisas passavam-se sempre entre a meia noite e a uma da manhã para apanhar os condutores do gado adormecidos. Por vezes, a chega não corria bem. "Às vezes, escapavam-se da chega e íam estrada acima. Outros eram maus. Uma vez um não queria saír, começou a bruar, os guardadores deram com o barulho, ainda levamos umas valentes vergastadas".
Naquele tempo, cada chega cada zaragata. "Uh, havia muita rivalidade entre as aldeias, havia sempre rixas, rachavam-se uns aos outros. A chega era marcada a meio caminho entre uma aldeia e outra e ía tudo a pé, era uma romaria. No fim, zaragata..."
A rivalidade estendia-se ainda às festas e à revista militar: "A revista era em Montalegre. A malta nova ía a pé. No caminho, encontravam-se com os das outras aldeias e lá começava a cocada".
Em 1945, conta Fernando, o presidente da câmara decidiu que não se realizavam mais chegas de bois sem a presença da GNR. "Passou a ter de se marcar a chega e avisar a GNR. Mas se fosse uma aldeia grande, eram precisos por exemplo uns 15 guardas". Resultado: "Quando o pessoal não rachava uns nos outros, era a guarda que começava à coronhada".

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