DIÁRIO DE VIAGEM DO JORNALISTA NUNO FERREIRA (EX-EXPRESSO, EX-PÚBLICO) QUE ATRAVESSOU PORTUGAL A PÉ ENTRE FEVEREIRO DE 2008 E NOVEMBRO DE 2010. O BLOG INCLUI TODAS AS CRÓNICAS PUBLICADAS NA REVISTA "ÚNICA" EM 2008, BEM COMO AS QUE SÃO PUBLICADAS SEMANALMENTE NO SITE CAFÉ PORTUGAL. (Travel diaries of Nuno Ferreira, a portuguese journalist who crossed Portugal on foot from February 2008 to November 2010. contact: nunoferreira62@gmail.com ou nunocountry@gmail.com

29/11/08

"DOU-ME NA SERRA"

 
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“Hoje 'tá derrancando” diz Manuel Rafael da Costa, 75 anos, ex-pedreiro, ex-funcionário dos serviços florestais, conhecedor dos trilhos da serra como a palma das mãos- muitos foi ele que os abriu. Saímos da casa aquecida a toros de lenha para subirmos ao castelo. “Está frio”, explica Manuel, tio de Rosa Brava, protagonista do documentário “Ainda Há Pastores?”, as pernas cobertas por collants de lã, “mas antigamente havia muito mais frio. Faz agora em cinco de Dezembro 12 anos que caíu o último nevão. Morreu uma velhinha, tiveram de fazer um trilho na neve para a levar até ao cemitério e só a enterraram no dia seguinte”.
Subimos até ao Castelo lentamente que Manuel, seguro a uma canadiana, já não anda como antigamente. “Dantes havia aquelas picaretas de gelo que pareciam lanças nos beirais dos telhados, era lindo”. Lá de cima, vemos o casario entre o branco e o cinzento de Folgosinho. “Aquela parte ali cresceu com a mineração de volfrâmio nos anos 50 e ali para baixo é tudo casas de emigrantes. De 1964 a 1969, foi tudo embora. Eu fiz várias dessas casas. Coitados. Tanta coisa para nada. Um fazia uma casa maior que a outra, para nada. Morreram por lá”.
Manuel pega nos dedos e conta: “O Zé Picareta, o Ricardo, o Zé Gouveia, o Celestino Aleijado, o Mário. Todos fizeram cá casa e não gozaram nada. Aqui ficou a casa, a família ficou por lá”. Perseguido pela PIDE, Manuel também por lá andou. “Parti no dia 10 de Abril de 1966 ajudado por dois passadores. Cheguei a Saint Jean de Luz no dia 27 de Abril. Foram 17 dias com 12 quilos às costas e a fazer 60 quilómetros por dia. Andei em Avignon e depois em Lille. Um dia 'tava a ouvir a BBC, percebia mal o inglês mas lá percebi “golpe de Estado”. Pedi a conta no dia seguinte e vim embora”.
folgosinho
Antes de construír casas para os emigrantes, antes de emigrar, Manuel também trabalhou no campo e mais tarde nos serviços florestais. “Vivia-se a semear centeio, carvão e do gado. Era preciso ter coração de pedra. A serra 'tava dividida em três partes: Uma de alqueve, outra de pousio e outra de centeio.Havia lá para cima cento e tal quintas cheias de pastores”.
Quando chegaram os serviços florestais, em 1959, começou a abrir trilhos na serra. “Dou-me na serra, a pescar trutas, a caçar, a abrir caminhos. Conheço os vales e os cabeços como a palma da minha mão. Já foi a Videmonte? Vá até lá que não se arrepende”.
Trepamos ao castelo. “Olhe só que vista. Ali é o Caramulo, aqui à frente tem Fogos de Algodres, ali é Celorico da Beira e lá atrás é Trancoso. Aquela mancha branca lá ao fundo? Aguiar da Beira. Penedono já não se vê, tá escondida num buraco, fu...terra fria...”

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