“Partiu tudo, para a Alemanha, França, Lisboa. Qualquer dia já não vive aqui ninguém. Os velhitos morrem, nem plantarem milho conseguem que os javalis destroem tudo. Se alguém os for matar paga uma multa. Olhe, a serra fica para os javalis”, sentencia um homem da serra, que também já partiu, trabalhou numa “village” perto de Marselha, serviu na tasca de um irmão em Alfama.
A caminho de Fajão, concelho de Pampilhosa da Serra, atravesso várias aldeias fantasmas ou quase. Em Teixeira, duas mulheres cortavam erva que enfiavam em sacos de batata. Uma idosa transportava lenha à cabeça entre videiras amareladas. Estacou no cimo de umas escadas brancas: “Café? Bata aí que o senhor vem abrir o café!” Sirvo-me antes de uma fonte de água pura e sigo caminho junto ao rio Ceira, já não o Ceira melancólico e bucólico de Góis e da Cabreira mas um Ceira pedregoso e falso de montanha que só largo junto ao vale isolado de Cartamil.
A subida de quatro quilómetros até ao Fajão é suada e penosa, entre camiões que cruzam a serra para cima e para baixo rasgando-a com silvos que ecoam de encosta a encosta. Consigo chegar lá acima a tempo de almoçar no “Juiz do Fajão”, repleto de operários ruidosos, tudo gente que trabalha para as empresas das eólicas. A serra está entregue aos javalis e às eólicas. Durmo na antiga cadeia do Fajão, agora uma residencial em pedra de xisto. À noite, abro a janela e na noite gelada vejo as luzinhas vermelhas das ventoinhas piscando como pirilampos no recorte das serras. O som que vem dali é o de aviões a ressoar na distância.
No topo da serra, na ventania, um ou outro camião e eólicas cobrindo o dorso retorcido da montanha. Para baixo, em direcção à solitária Barragem de Santa Luzia, a vegetação que trepa até às fragas é desolada, hastes queimadas do que já foram árvores. De repente, lá em baixo, uma aldeia branca, o Vidual. A aproximação é quase sempre igual. Com sorte, escuto água a correr ou vozes de mulheres e crianças. Outras vezes, apenas um sino a cantar “a treze de Maio...”, uma galinha, uns cães que se esganam a ladrar de tanto puxarem as correntes que os prendem. Outras vezes, a presença humana resume-se a roupa a secar, um carro entre silvas numa curva, uma roulotte com matrícula inglesa de algum expatriado. Pois é, qualquer dia a serra fica só para os javalis e...as ventoinhas....
DIÁRIO DE VIAGEM DO JORNALISTA NUNO FERREIRA (EX-EXPRESSO, EX-PÚBLICO) QUE ATRAVESSOU PORTUGAL A PÉ ENTRE FEVEREIRO DE 2008 E NOVEMBRO DE 2010. O BLOG INCLUI TODAS AS CRÓNICAS PUBLICADAS NA REVISTA "ÚNICA" EM 2008, BEM COMO AS QUE SÃO PUBLICADAS SEMANALMENTE NO SITE CAFÉ PORTUGAL. (Travel diaries of Nuno Ferreira, a portuguese journalist who crossed Portugal on foot from February 2008 to November 2010. contact: nunoferreira62@gmail.com ou nunocountry@gmail.com
27/10/08
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1 comentário:
Gostei imenso do seu contar. Não pude deixar de o escrever.
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