DIÁRIO DE VIAGEM DO JORNALISTA NUNO FERREIRA (EX-EXPRESSO, EX-PÚBLICO) QUE ATRAVESSOU PORTUGAL A PÉ ENTRE FEVEREIRO DE 2008 E NOVEMBRO DE 2010. O BLOG INCLUI TODAS AS CRÓNICAS PUBLICADAS NA REVISTA "ÚNICA" EM 2008, BEM COMO AS QUE SÃO PUBLICADAS SEMANALMENTE NO SITE CAFÉ PORTUGAL. (Travel diaries of Nuno Ferreira, a portuguese journalist who crossed Portugal on foot from February 2008 to November 2010. contact: nunoferreira62@gmail.com ou nunocountry@gmail.com

16/09/08

VILA NOVA DE BARONIA-VIANA DO ALENTEJO (CRÓNICA PUBLICADA NA "ÚNICA")

 
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Quando o Inter-Cidades parte ronceiro e cambaleante da estação de Vila Nova de Baronia, há uma velhinha vestida de preto que se levanta. Estava ali para ver o comboio. O comboio partiu, o funcionário regressará à placidez da sua vida de ferroviário em paragem pouco frequentada- a próxima composição passa de Beja para Évora daí a uma hora e meia - e eu sigo em direcção a Viana.
Não fossem os frescos, os azulejos, a brancura das igrejas e ermidas, das mansões brasonadas, dir-se-ia que estaria algures no Iowa, perdido na planície do Kansas, imerso no silêncio do campo, o murmúrio do vento agitando as papoilas que emergem de tufos de ervas daninhas, o voo cúmplice das cegonhas acompanhado-me os passos.
De súbito, estaco, paro de arrastar os pés e escuto ao longe o ronco metálico de um motor, o som rouco e áspero de um camião. Com sorte, este aperceber-se-á da minha presença indefesa entre as ervas de uma berma inexistente e encosta à direita, os rodados avançando prepotentes pela solitária tira de cimento onde alguém escreveu em letras garrafais a branco AMO-TE.
De repente, um trecho de ervas foi roçado junto ao asfalto para ali alguém erguer uma homenagem perturbadora e comovente a uma vítima das estradas. Rosas amarelas, cor de rosa, encarnadas, abraçam o rosto emoldurado de uma jovem mulher.
Ali o campo está vazio, vedado por cercas de madeira e arame farpado e à venda, uma província inteira esperando compradores. Multiplicam-se os cartazes “vende-se propriedade” ou “quintas à venda”. Só desperto com a algazarra dos cicloturistas ou a lentidão cavalgante de uma carroça de ciganos que se avomula, oscilante, no horizonte nublado, uma cigana de lenço na cabeça segurando as rédeas de um cavalo relutante. Uma pedreira, casas brancas emolduradas de amarelo e estou a entrar em Viana do Alentejo quando ouço um cavaquear alegre vindo de uma paragem de autocarro: “Então?”, saúdam dois homens, “não tira uma foto à gente?”
Viana está de luto pelo encerramento das urgências locais e em dia de greve de professores. A desetificação que me acompanhava Alentejo acima é atenuada ali pela presença de estudantes que agitam as ruas estreitas, brancas e amarelas à noite ou frequentam bares da moda. Na minha hospedaria, a proprietária está preocupada com a vida algo disfuncional de uma jovem hóspede. “Esteja descansada, Dona Deolinda, a gente vai falar com ela, até a nível de contraceptivos e tudo. Ela está andando um pouco perdida e tem de ser ajudada”. Ainda namora com o mesmo sujeito? “Nã sei, eu tenho-a visto com más companhias mas esteja descansada Dona Deolinda, a gente vai conversar com a moça...”

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