DIÁRIO DE VIAGEM DO JORNALISTA NUNO FERREIRA (EX-EXPRESSO, EX-PÚBLICO) QUE ATRAVESSOU PORTUGAL A PÉ ENTRE FEVEREIRO DE 2008 E NOVEMBRO DE 2010. O BLOG INCLUI TODAS AS CRÓNICAS PUBLICADAS NA REVISTA "ÚNICA" EM 2008, BEM COMO AS QUE SÃO PUBLICADAS SEMANALMENTE NO SITE CAFÉ PORTUGAL. (Travel diaries of Nuno Ferreira, a portuguese journalist who crossed Portugal on foot from February 2008 to November 2010. contact: nunoferreira62@gmail.com ou nunocountry@gmail.com

17/09/08

ATÉ LAMAS DE MOURO NO PAÍS DOS PASSARÕES (CRÓNICA PUBLICADA NA "ÚNICA")

Não se pode visitar Figueiró dos Vinhos sem entrar na Adega dos Passarões e beber um copo de tinto junto a um dos últimos balcões de mármore numa das derradeiras tabernas de um país de alumínio, carros de alta cilindrada por pagar ao Banco e viagens a Cancun a crédito.
Abri as portas de madeira estilo saloon texano, pedi um tinto e pensei no que me irá continuar a impelir estrada acima até ao destino final traçado, Lamas de Mouro (Melgaço) , muito provavelmente já em 2009.
De repente, a resposta surgiu-me na ponta da língua: Nem as cascatas de São Mamede nem o ar limpo da Serra do Muradal nem sequer a certeza de que após o bucho e o maranho virá a chanfana e mais tarde a posta à mirandesa. O que me impele são os portugueses, os que resistem nas aldeias e vilas do interior, nos últimos campos semeados a milho e batata da Beira, sobrevivem a migas na Amareleja, pastoreiam na mais desértica e agreste de todas as serras, a do Caldeirão e jogam ao gato e ao rato nas águas da Carrapateira com a polícia marítima para caçar perceves e sustentar a família.
Os mesmos que sustentam regiões inteiras do interior desertificado com o dinheiro que ganharam na emigração e que, uma vez mais, não precisam de ajudas do Estado para encher um saco e partir para a Suíça, para a Irlanda, para longe do enorme bluff em que se transformou o país pobre mais novo- rico do mundo, o país dos faz-de-conta.
Por isso, em plena Adega dos Passarões e de copo na mão, presto aqui a minha humilde homenagem aos portugueses que tenho encontrado pelo caminho: ao Pinta Xarolas, ex-pescador de lampreia no Pulo do Lobo, ao Zé Pata Curta, da tasca-museu Pata Curta, em Pias, ao grande Xico Rouxinol, de Mértola, ao José Branco, vendedor de Baleizão, ao João Silva, assador de frangos perto de Odiáxere, à Elsa e Abel Serôdio, vendedores de peixe em Albufeira, ao Chico "Cadela", barbeiro em Silves, ao Manel do Malhadal, acordeonista em Proença-a-Nova e a todos os outros, que me iluminaram a estrada e me ensinaram a descobrir a que Portugal verdadeiramente pertenço.
Agora, vou encher a mochila, calçar as mesmas sapatilhas que partiram de Sagres a 21 de Fevereiro, que se encharcaram numa enxurrada na Bordeira, subiram e desceram a Serra do Caldeirão, ferveram na Serra da Adiça, saltitaram nas pedras da cascata de São Julião e para a semana têm de alcançar a Lousã, der por onde der. Tenho de chegar a Lamas de Mouro a tempo de ver a neve a caír junto dos cavalos selvagens, por entre as brumas da Serra da Peneda. Ao caminho.

1 comentário:

jap disse...

Há muito um texto não me deixava um arrepio tão grande. Fabuloso. Um abraço.

 
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