DIÁRIO DE VIAGEM DO JORNALISTA NUNO FERREIRA (EX-EXPRESSO, EX-PÚBLICO) QUE ATRAVESSOU PORTUGAL A PÉ ENTRE FEVEREIRO DE 2008 E NOVEMBRO DE 2010. O BLOG INCLUI TODAS AS CRÓNICAS PUBLICADAS NA REVISTA "ÚNICA" EM 2008, BEM COMO AS QUE SÃO PUBLICADAS SEMANALMENTE NO SITE CAFÉ PORTUGAL. (Travel diaries of Nuno Ferreira, a portuguese journalist who crossed Portugal on foot from February 2008 to November 2010. contact: nunoferreira62@gmail.com ou nunocountry@gmail.com
17/09/08
FESTA EM DIA DE CHUVA (CRÓNICA PUBLICADA NA "ÚNICA")
Começou a chover de madrugada. Pelas 11h00 da manhã de sábado, dia de todas as festas e contra-festas, uma neblina irritante cobriu os dentes afiados das arribas do Zêzere e as curvas sonolentas e azuis do rio-serpente viram uma cortina triste de nevoeiro expandir-se desde o casario branco de Álvaro até ao sul dos concelhos de Pampilhosa da Serra e de Góis. A chuva míuda molhou os cartazes dos festejos, afastou das piscinas fluviais os luso-franceses e tornou mais difíceis os passeios pela serra dos motards sedeados aos milhares na concentração de Góis.
Um dia antes, crianças saltitavam na prancha da piscina flutuante sobre as águas da albufeira do Cabril e diziam: "Papa, papa, viens!" Em frente ao restaurante Lago Verde, as vidraças viradas para a barragem, acumulavam-se matrículas francesas como se estivéssemos no Auvergne. De aldeias espalhadas pelo pinhal, ecoavam sons de música popular e, de facto, um céu limpo e quente de Agosto abençoava o fim de semana prolongado e festivo do nosso Auvergne, palcos de madeira enfeitados com flores de papel à espera dos foliões.
Em Mega Fundeira, mergulhara alegremente na mais recente piscina fluvial da zona e em Picha, encontrara Carlos Alves, 42 anos, conhecido na região como o "Zeca", dono do "Zeca" em Pedrógão Grande, do bar "After-Hours em Álvares e gerente do café e restaurante de Picha, "Café da Picha". Numa sala de refeições apinhada, comensais devoravam frango assado indiferentes ao nome da povoação e da vizinha Venda da Gaita. "Achamos engraçado", comentava Zeca de mãos nos bolsos, "ainda há bocado uns motards iam a passar e voltaram para trás para tirar fotografias. Há um grupo de algarvios que vem cá todos os anos".
Passei por uma caravana de diversões abandonada, num concelho conhecido pela sua indústria de festas e abalei em direcção a Venda da Gaita, Senhor dos Aflitos e Pedrógão, preparando-me psicologicamente para o fim de semana de todas as festas. Pelas bandas dos Aflitos, dois homens que vira no Café da Picha pararam e perguntaram se queria boleia até ao cruzamento de Pedrógão Grande. À entrada da terra, que se confunde com Vale da Manta, abriram a porta de trás da carrinha e disseram: "'Tá entregue".
O azul profundo da albufeira do Cabril reluzia de felicidade quando atravessei a barragem, me despedi da serpente do Zêzere e as suas margens pedregosas e trepei até ao miradouro da Senhora da Confiança, junto a mais uma povoação de toponímia interessante: Casal dos Bufos. Pensei para com os meus botões que prefiro Picha ou Venda da Gaita. Nunca gostei de bufos.
Pensava em festas, em bufos, em minis e imperiais quando a chuva chegou, cobrindo tudo de uma melancolia outonal. "Que se lixe, fazemos a festa na mesma", rugiu um irritado aldeão, há dias à espera de Fernando Rocha e do grupo de bombos e harmónios Seca Adegas.
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