DIÁRIO DE VIAGEM DO JORNALISTA NUNO FERREIRA (EX-EXPRESSO, EX-PÚBLICO) QUE ATRAVESSOU PORTUGAL A PÉ ENTRE FEVEREIRO DE 2008 E NOVEMBRO DE 2010. O BLOG INCLUI TODAS AS CRÓNICAS PUBLICADAS NA REVISTA "ÚNICA" EM 2008, BEM COMO AS QUE SÃO PUBLICADAS SEMANALMENTE NO SITE CAFÉ PORTUGAL. (Travel diaries of Nuno Ferreira, a portuguese journalist who crossed Portugal on foot from February 2008 to November 2010. contact: nunoferreira62@gmail.com ou nunocountry@gmail.com

16/09/08

NA ROTA DAS VELHAS TABERNAS (CRÓNICA PUBLICADA NA "ÚNICA")

 
Posted by Picasa

Caló, do Café Central, Cuba


Ali do lado direito do velho Café Central, em Cuba, “Caló”, aliás Carlos Manuel Baptista, 48 anos, só vê fantasmas. “Durante a manhã, juntavam-se aí umas 20 pessoas conversando. Toda essa gente desapareceu”. Os forasteiros gostam de fotografar as estantes em madeira, as ventoinhas, o alinhamento das garrafas. O tempo, esse, não perdoa. “Isto está muito desertificado. Ontem morreram aqui três pessoas. Nasceu alguma?”
Ao lado de Caló, o senhor Gavião, poeta popular e e ex-chefe de estação da CP, corrobora: “a fábrica da moagem, o lagar, tudo acabou”. A terra onde há quem diga que nasceu Cristovão Colombo animou um pouco ultimamente com os trabalhadores de fora que constroem os canais de rega do Alqueva. É escutá-los à noite no café da Hospedaria Chave D'Ouro discutindo marcas de escavadoras, a natureza dos solos da zona ou o próximo destino. “Sempre vais daqui para os Açores?”, pergunta um. “Vou para os Açores e depois para a Argélia”, responde o minhoto João, 20 anos, que todos as sexta-feiras larga às 17h00 para perfazer 500 quilómetros até Barcelos. “O que custa mais é voltar, isto aqui é paradito”.
Cruzo-me com um Cristovão Colombo em estátua avistando o Tribunal da Comarca de Cuba e parto em direcção às bandas da Igreja Matriz, em busca da taberna museu de Francisco Fitas, recheada de alfaias agrícolas por todos os cantos. “As pessoas vinham dos campos, traziam o seu bocadinho de pão e petiscavam, explica o meu cicerone, o ex-ferroviário Manuel Carvalho, 88 anos. “Está a ver aquelas medidas de cereais? Eram medidas municipais...Aqueles chocalhos ali, cada um tem um som diferente...” Convidam-me a jantar de uma grandiosa panela de feijão com carne de porco e branco da vidigueira. “Isto aqui é uma família, é só convívio. Estás cá sábado? Assávamos aí um borrego...”
Atravesso os laranjais em direcção à Vidigueira em busca de mais velhas tabernas em extinção. Encontro a decadente “O Elias” e a “O Pai d'Ele” na vila dos Gamas, onde alguém me garante que as ossadas do Vasco da Gama ainda lá estão guardadas- “o povo enganou-os. O que está nos Jerónimos é outra coisa...”- e termino entre as 18 talhas de barro da tasca de Carlos Lemos, 78 anos, em Vila de Frades.
“São 18 talhas ao todo mas já só encho quatro”, explica o proprietário que recorda o dia em que uma rachou e lhe encheu o chão de vinho. Ao fim de dois copos de branco acompanhados de rodelas de pepino com sal, Carlos reza bem disposto: “Ó uva que estás na parreira/ brevemente se vinifica em liquido/ cinco litros nos dai hoje/tanto na taberna como em nossa casa/ Livrai-nos das horas mortas e da polícia/ Amen”.

Sem comentários:

 
Site Meter