Caló, do Café Central, Cuba
Ali do lado direito do velho Café Central, em Cuba, “Caló”, aliás Carlos Manuel Baptista, 48 anos, só vê fantasmas. “Durante a manhã, juntavam-se aí umas 20 pessoas conversando. Toda essa gente desapareceu”. Os forasteiros gostam de fotografar as estantes em madeira, as ventoinhas, o alinhamento das garrafas. O tempo, esse, não perdoa. “Isto está muito desertificado. Ontem morreram aqui três pessoas. Nasceu alguma?”
Ao lado de Caló, o senhor Gavião, poeta popular e e ex-chefe de estação da CP, corrobora: “a fábrica da moagem, o lagar, tudo acabou”. A terra onde há quem diga que nasceu Cristovão Colombo animou um pouco ultimamente com os trabalhadores de fora que constroem os canais de rega do Alqueva. É escutá-los à noite no café da Hospedaria Chave D'Ouro discutindo marcas de escavadoras, a natureza dos solos da zona ou o próximo destino. “Sempre vais daqui para os Açores?”, pergunta um. “Vou para os Açores e depois para a Argélia”, responde o minhoto João, 20 anos, que todos as sexta-feiras larga às 17h00 para perfazer 500 quilómetros até Barcelos. “O que custa mais é voltar, isto aqui é paradito”.
Cruzo-me com um Cristovão Colombo em estátua avistando o Tribunal da Comarca de Cuba e parto em direcção às bandas da Igreja Matriz, em busca da taberna museu de Francisco Fitas, recheada de alfaias agrícolas por todos os cantos. “As pessoas vinham dos campos, traziam o seu bocadinho de pão e petiscavam, explica o meu cicerone, o ex-ferroviário Manuel Carvalho, 88 anos. “Está a ver aquelas medidas de cereais? Eram medidas municipais...Aqueles chocalhos ali, cada um tem um som diferente...” Convidam-me a jantar de uma grandiosa panela de feijão com carne de porco e branco da vidigueira. “Isto aqui é uma família, é só convívio. Estás cá sábado? Assávamos aí um borrego...”
Atravesso os laranjais em direcção à Vidigueira em busca de mais velhas tabernas em extinção. Encontro a decadente “O Elias” e a “O Pai d'Ele” na vila dos Gamas, onde alguém me garante que as ossadas do Vasco da Gama ainda lá estão guardadas- “o povo enganou-os. O que está nos Jerónimos é outra coisa...”- e termino entre as 18 talhas de barro da tasca de Carlos Lemos, 78 anos, em Vila de Frades.
“São 18 talhas ao todo mas já só encho quatro”, explica o proprietário que recorda o dia em que uma rachou e lhe encheu o chão de vinho. Ao fim de dois copos de branco acompanhados de rodelas de pepino com sal, Carlos reza bem disposto: “Ó uva que estás na parreira/ brevemente se vinifica em liquido/ cinco litros nos dai hoje/tanto na taberna como em nossa casa/ Livrai-nos das horas mortas e da polícia/ Amen”.


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