DIÁRIO DE VIAGEM DO JORNALISTA NUNO FERREIRA (EX-EXPRESSO, EX-PÚBLICO) QUE ATRAVESSOU PORTUGAL A PÉ ENTRE FEVEREIRO DE 2008 E NOVEMBRO DE 2010. O BLOG INCLUI TODAS AS CRÓNICAS PUBLICADAS NA REVISTA "ÚNICA" EM 2008, BEM COMO AS QUE SÃO PUBLICADAS SEMANALMENTE NO SITE CAFÉ PORTUGAL. (Travel diaries of Nuno Ferreira, a portuguese journalist who crossed Portugal on foot from February 2008 to November 2010. contact: nunoferreira62@gmail.com ou nunocountry@gmail.com

24/09/10

ENTRE AS ÚLTIMAS TABERNAS DO ALENTEJO

Ainda descia em direcção a Brinches e já escutava “pum, pum”. Queres ver que há festa? Havia mesmo. A pequena povoação alentejana acordava numa súbita manhã sem nuvens e de calor em pleno mês de Abril de 2008 ao som dos foguetes. Não sabia que havia festarola nem tinha programado o meu dia para tal. No Alentejo, no entanto, é absolutamente imperdível e irrecusável escutar um “então, andas a pé? Senta e bebe um copo” e dizer “não”. De maneira que ainda a fanfarra dos bombeiros de Serpa deambulava pelas ruas estreitas e brancas com frisos amarelos num esforço suado para despertar os habitantes da sonolência e cansaço da noitada anterior e já estava sentado com anfitriões brinchenses.
Ze_Pata_Curta_3[1]
"Senta-te aí homem e bebe qualquer coisa", desafiou-me o ex-cantoneiro e poeta popular António José Luís, 86 anos. Ao fim de cinco minutos já estava a fazer exactamente o mesmo que António e os amigos, felizes de ter ali um forasteiro: beber copos de tinto, petiscar e brincar uns com os outros: "Este? Com 86 anos derruba qualquer um no vinho", diz um. "Pudera, nunca trabalhou", comentou. António José Luís dobrou-se, a barriga estendida de encontro à mesa da tasca, riu-se e preparou mais uma quadra.
Quando as horas passaram e percebi que só conseguiria dormida em Pias, um homem aparentando algumas dificuldades em se manter equilibrado e apresentando-se como o “secretário” de um taxista local, disse que rápidamente trataria do assunto. Encarregar-se-ia de chamar o taxista, uma vez que eu, sob o peso de uns copos e torresmos a mais, planeara não caminhar mais naquele dia. Passaram-se 15 minutos, passou meia hora e nada do alcoolizado “secretário”. A dada altura, António, o poeta popular lembrou-se de que poderia juntar o útil ao agradável: “Levamos o nosso amigo a Pias e bebemos um copo no Pata Curta”. O Pata Curta era mais uma taberna, melhor dizendo, a Taberna Museu do Zé Pata Curta. Lá fomos de carro até Pias, a dez quilómetros, António José Luís a rezar versos ao meu ouvido sob o som ronceiro, ronronante do velho automóvel do amigo.
Taberna_O_Pai_D'Ele,_Vidigueira[1]
Na minúscula taberna do Pata Curta, aliás José Bravo Castanho, apercebi-me que era nesses espaços esconsos, pouco iluminados, bancos em madeira, mesas tapadas com toalhas aos quadrados, que encontraria pedaços de um Alentejo a desvanecer-se. Ali, os turistas raramente entram, quanto mais não seja porque não as encontram, sem tabuletas e escondidas em ruelas pouco frequentadas. Em contrapartida, são autênticas redacções onde as últimas novas passam de boca em boca. “Amanhã de manhã”, contou-me o Zé Pata Curta, enquanto servia mais um copo pequeno e estreito de vinho, “partem 40 pessoas daqui para a Suíça, para a apanha da pêra, da maçã, da vinha...Com a fome que aí anda...”
Mais tarde, em locais tão remotos e e esquecidos quanto Santo Aleixo da Restauração ou Amareleja, fui farejando últimas tabernas. Encontrei várias, entretanto, na zona de Cuba e Vidigueira, todas entregues ao vinho branco da região. Na Vidigueira, encontrei a decadente “O Elias” e a “O Pai d'Ele” não sem algum esforço de etnógrao amador e na vizinha Vila de Frades terminei entre as 18 talhas de barro da tasca de Carlos Lemos, 78 anos.
Carlos+José+Lemos,+Vila+de+Frades[2]
“São 18 talhas ao todo mas já só encho quatro”, explicou-me o proprietário. Ao fim de dois copos de branco acompanhados de rodelas de pepino com sal, Carlos rezou: “Ó uva que estás na parreira/ brevemente se vinifica em liquido/ cinco litros nos dai hoje/tanto na taberna como em nossa casa/ Livrai-nos das horas mortas e da polícia/ Amen”.
Em Cuba, a tasca mais castiça era a taberna museu de Francisco Fitas, as paredes forradas de alfaias, chocalhos, reminiscências de outros tempos. “As pessoas vinham dos campos, traziam o seu bocadinho de pão e petiscavam, explicou o meu cicerone, o ex-ferroviário Manuel Carvalho, 88 anos. “Está a ver aquelas medidas de cereais? Eram medidas municipais...Aqueles chocalhos ali, cada um tem um som diferente...” Convidaram-me a jantar de uma grandiosa panela de feijão com carne de porco e branco da Vidigueira. “Isto aqui é uma família, é só convívio. Estás cá sábado? Assávamos aí um borrego...”
Taberna_Museu_Pata_Curta,_em_Pias[1]

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