DIÁRIO DE VIAGEM DO JORNALISTA NUNO FERREIRA (EX-EXPRESSO, EX-PÚBLICO) QUE ATRAVESSOU PORTUGAL A PÉ ENTRE FEVEREIRO DE 2008 E NOVEMBRO DE 2010. O BLOG INCLUI TODAS AS CRÓNICAS PUBLICADAS NA REVISTA "ÚNICA" EM 2008, BEM COMO AS QUE SÃO PUBLICADAS SEMANALMENTE NO SITE CAFÉ PORTUGAL. (Travel diaries of Nuno Ferreira, a portuguese journalist who crossed Portugal on foot from February 2008 to November 2010. contact: nunoferreira62@gmail.com ou nunocountry@gmail.com

24/07/10

CRÓNICA PUBLICADA NO CAFÉ PORTUGAL (CLICAR PARA LER NO SITE)

 
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Osvaldinho, 65 anos, aliás Firmino Baleizão da Graça Sardinha, lenda viva do Vitória de Guimarães, desejou-me boa viagem. À nossa volta, pelas paredes da pastelaria de esquina que mantem a um passo do Estádio Afonso Henriques e a outro do centro histórico, há fotos do passado glorioso do grande lateral esquerdo da época de 60 e 70. Osvaldinho ao lado dos seus colegas de selecção em meados dos anos 70, Osvaldinho a discutir uma bola com um avançado do Sporting, Osvaldinho a levar a camisola do Vitória a todo o lado. Até a máquina de tabaco está recheada desses momentos de glória, uns a preto e branco, outros a cores.
Durante alguns dias, passava sempre à hora do pequeno almoço pela pastelaria de Osvaldinho, fascinado com as fotos e toda a história emanada daqueles retratos. O centro histórico oferecia-me a História portuguesa, a mim e a dezenas de turistas afogueados, de máquina fotográfica ao tiracolo, garrafa de água na mochila, mapa na mão, à procura de vestígios do nascimento de uma nação. Ali, Osvaldinho oferecia toda uma outra, interligada, uma vez que o Vitória é um símbolo vivo da cidade onde Portugal nasceu e não há recanto onde não sejamos confrontados com o emblema do clube.
“Já vais?”, perguntou Osvaldinho. Estivemos uma meia hora, 45 minutos a recordar os bons velhos tempos, a falar de treinadores de futebol que o marcaram, de Mário Wilson e Pedroto a Fernando Caiado. Recordámos o dia dos anos 70 em que ofereceu quase mil contos de receita do jogo de homenagem à escola de crianças inadaptadas da cidade. “Nasci muito pobre”, explicou-me o alentejano de Beja, “jogava descalço, sei o que são dificuldades”.

BARQUEIROS

 
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Antes de deixar Guimarães, fui ainda a São Torcato, onde por estes dias a população não quer que o padre local saia e em cujo santuário pude dar largas à minha coscuvilhice e espreitar o corpo do santo. Achei por bem deixar o mausoléu sossegado e entregue a quem rezava por perto e espreitar no exterior os preparativos do festival de folclore a realizar ali naquele dia.

A CAMINHO DE APÚLIA POR VILAR DE FIGOS

 
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Já na Nacional 206, senti que não deixava apenas os santos, os santuários, a Batalha de São Mamede, as marcas inconfundíveis da História de Portugal cravadas em cada empedrado do centro histórico para trás. Transportava comigo as memórias do Osvaldinho e um pedaço da história do Vitória, o único clube em cujo estádio as bancadas refletem a imagem de D.Afonso Henriques. Alguém mete um golo e a sombra duradoura e omnipotente do fundador da nação paira sobre a baliza, os jogadores, a mole humana de “conquistadores”.
Ao contrário das muralhas e labirintos arquitectónicos de Guimarães, a EN 206 é um hino à história contemporânea e a um dos seus episódios nortenhos, a industrialização. Da estrada pude ver, por entre janelas abertas, mulheres debruçadas sobre as máquinas como certamente o farão há anos. A mancha urbana que une a cidade a Famalicão vai mudando de nome, numa espécie de recta interminável, de fábricas, moradias, prédios, placas publicitárias, camiões, motorizadas: Ronfe, Vermil, Joane, Pousada de Saramagos, Vermoim, Requião. Por vezes, as placas jazem encobertas por vegetação variada, desde simples silvas a fetos ou vinhas. Em alguns casos, estas abraçam os rails e estendem a sua presença à berma ou aos passeios das povoações, como que a dizer: “queres caminhar, vais para a estrada”.
Foi com alívio e alegria que celebrei a aparição, a norte de Famalicão e já no concelho de Barcelos, dos campos de milho, o milho alto e ondulante de Julho. Batido pelo vento, todo aquele mar verde oscila ao meu lado. Escolhi uma estrada bastante secundária, muito secundarizada mesmo, para atingir a Apúlia, a praia dos sargaços e ganhei a aposta. Em Vilar de Figos, de um pequeno alto, pude ver o mar pela primeira vez. Em Cristelo e depois em Barqueiros, vi a minha insistência premiada com os campos de milho mais vastos e omnipresentes da caminhada. Uma criança e um idoso ficaram a olhar-me de boca aberta ao ver-me tirar fotografias insistentes dos campos à luz do fim da tarde. A rapariga parou por momentos de brincar e chamou o avô. Vi os dois vultos esfumarem-se ao longe na minha pequena subida para Barqueiros.
A Apúlia só apareceu depois de uma via rápida que leva a diversas auto-estradas. Vendedores de melão discutiam o preço com um grupo de turistas, um dos quais me pareceu ter bebido demasiado durante a tarde, debruçado sobre a berma, líquido vermelho a escorrer-lhe das beiças.
Como todas as povoações do litoral, a Apúlia prometia nunca mais acabar, até que avistei a capela da Senhora da Guia em forma de proa, depois as barracas de riscas azuis e brancas, espreitei o areal e pude confirmar que sim, aquilo aos pés dos últimos banhistas eram algas, sargaço. Os sargaceiros, esses, só em livro, postal ou na próxima actuação do GSCPA, Grupo dos Sargaceiros da Casa do Povo da Apúlia. Estava finalmente no mar, o mar batido a vento do minho.

A CAMINHO DE APÚLIA

 
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FAMALICÃO-APÚLIA

 
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LOURO, FAMALICÃO

 
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FAMALICÃO

 
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EN 206 A CAMINHO DE FAMALICÃO

 
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EN 206

 
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NA EN 206 ENTRE GUIMNARÃES E FAMALICÃO

 
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OSVALDINHO, LENDA DO VITÓRIA

 
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GUIMARÃES

 
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GUIMARÃES

 
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CRÓNICA PUBLICADA NO CAFÉ PORTUGAL (CLICAR PARA LER NO SITE)

 
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“Essa máquina tem mesmo 110 anos?” Américo Ramos, 60 anos, acena que sim com a cabeça. O Sol das duas da tarde de um domingo festivo na Penha, Guimarães, incide sobre o fotógrafo popular e o seu velho artefacto sem piedade. “Isto hoje tem de ser feito rápido senão queima tudo e a foto fica escura”, explica Américo, que com mais cinco irmãos mantem uma rede de máquinas fotográficas antigas nos principais santuários do Minho. Naquele preciso momento, um está em Santa Luzia, Viana do Castelo, substituindo o pai, o pioneiro, hoje com 84 anos. Outros dois estão em Braga, no Bom Jesus, outro no Sameiro e Américo, claro, a suar para se manter operacional em frente à Igreja da Penha.
A maioria das pessoas que se aproxima de Américo quer uma recordação a cores com o tradicional cavalinho. “Hoje a cores é mais prático mas tenho aqui revelador, fixador, chapa, para fazer tudo como dantes, a preto e branco”.
 
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Domingo, dia 18 de Junho, apesar dos 35 graus, a Penha é um formigueiro. Há excursões a chegar a todo o momento, famílias em picnique um pouco por todo o lado, ranchos a actuar, um casamento a descer as escadarias do Santuário e uma procissão- a da Nossa Senhora do Carmo- agendada para o final da tarde.
 
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Desde que larguei Cinfães, desci até à Barragem de Carrapatelo, disse adeus ao Douro e me comprometi comigo próprio em investir em direcção ao Minho, que a sensação de formigueiro não me sai da cabeça. São as povoações intermináveis, que se perdem em redes de ruas e ruelas, cercados por muros de pedra e vinhas, sempre vinhas. São as fábricas e fabriquetas, que irrompem no caos de carros de grande cilindrada, motorizadas Famel Zundapp, lojas à beira da estrada à berma da qual irrompem silvas e vinhas, insinuando-se a verde por todo o lado.
 
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Para evitar a teia de aranha das auto-estradas nortenhas, meto-me a caminhar por lugares improváveis como Figueiró da Lixa onde entre o cansaço e o casario interminável, ouço um homem a gritar à porta de uma taberna: “Não voltes a olhar para trás outra vez!” Figueiró desagua em mais rotundas, passeios esburacados e prédios entre campos de vinhas. Fujo em direcção a Felgueiras pela Nacional 101, sempre de olho nos carros, na velocidade, em cada curva.
 
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De repente, encontro Norman, um peregrino suíço de longos cabelos loiros e que fala razoável português. Vai a caminho de Santiago de Compostela onde espera encontrar o escritor brasileiro Paulo Coelho para lhe autografar um livro. A sua rotina na estrada é bem mais disciplinada do que a minha. Faz 50 quilómetros todos os dias e na ausência de albergues para peregrinos em Portugal, bate à porta dos bombeiros. “Ontem na Lixa, dormi, tomei banho e até me deram whisky”, conta. Depois de Santiago, planeia seguir até à Finisterra e descer todo o litoral galego e português até ao Algarve.
Cedo me apercebo de que ao pé Norman, me assemelho a um pequeno e frágil monotor ao pé de um jacto prestes a descolar a qualquer momento. Desejamos aos dois boa sorte. Quando dou por ele, já vai uns 500 metros à frente, a abrir caminho com o bastão, indiferente às viaturas que passam velozes entre Felgueiras e Guimarães.
É definitivamente um alívio quando largo a EN 101 em Fareja e começo a trepar por Calvos em direcção ao Santuário da Penha. Paro em Lapinha, arfando e tentando convencer-me de que já estou na Penha. “A Penha?”, responde com um odor a aguardente no hálito e um sorriso mordaz nos lábios, um local desocupado no café mais próximo, “ainda tens de andar muito até lá cima”.
Finalmente, a Penha, o miradouro, a estrada encaracolada, Guimarães lá embaixo, o estádio muito branco curiosamente sobressaindo sobre o bairro histórico, o castelo, o Paço Ducal. Já penso em descer os sete quilómetros até à cidade quando me apercebo que um moderno teleférico se me oferece, as carruagens quase todas vazias, mesmo a meus pés. Digo adeus por momentos ao Portugal a pé e ofereço a mim próprio Portugal de teleférico.
 
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PENHA

 
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