DIÁRIO DE VIAGEM DO JORNALISTA NUNO FERREIRA (EX-EXPRESSO, EX-PÚBLICO) QUE ATRAVESSOU PORTUGAL A PÉ ENTRE FEVEREIRO DE 2008 E NOVEMBRO DE 2010. O BLOG INCLUI TODAS AS CRÓNICAS PUBLICADAS NA REVISTA "ÚNICA" EM 2008, BEM COMO AS QUE SÃO PUBLICADAS SEMANALMENTE NO SITE CAFÉ PORTUGAL. (Travel diaries of Nuno Ferreira, a portuguese journalist who crossed Portugal on foot from February 2008 to November 2010. contact: nunoferreira62@gmail.com ou nunocountry@gmail.com

30/04/10

CRÓNICA PUBLICADA NO CAFÉ PORTUGAL (CLICAR PARA LER NO SITE)

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Quando daqui a uns dias subir finalmente, como prevejo, ao topo da Serra do Larouco, um pé em Portugal e outro em Espanha, posso sentar no topo e recordar muito do que já passei nos últimos dois anos atravessando Portugal a pé. De costas (respeitosamente) para a Galiza, volto-me para Portugal e revejo como num filme o primeiro dia em Sagres, a ventosa, a primeira enxurrada na Costa Vicentina, a desolação da Serra do Caldeirão e aquele aldeão que perguntava: “Atão, nem uma bicicleta tem?”
Escrever, na redacção sobre o Portugal dito profundo, é uma coisa, vivenciá-lo é outra. Há anos que acalentava este projecto de atravessar o país a pé, de bicicleta ou de autocarro e comboio. Anos de encarceramento na labuta infernal do jornal diário não me permitiram cumprir o sonho mais cedo. Até que em 2007, liberto da rotina, começou a ruminar-me no cérebro o PORTUGAL A PÉ. Se toda a gente anda a viajar e a escrever sobre todos os cantos do mundo e a publicar em todo o lado, porque não escrever sobre uma travessia do nosso país a pé?
O primeiro dia, 23 de Fevereiro de 2008, numa Sagres precocemente primaveril e soalheira, foi de grande nervosismo. Transportava carga a mais, roupa a mais e temia não ter a resistência física suficiente para a empreitada. A partir dali, as coisas foram-se encaixando, o que parecia um absurdo e teimosia ganhou forma, à medida que a primeria chuvada caíu, que a sensação infinita de liberdade de atravessar só a Costa Vicentina me bateu no rosto como uma brisa estonteante de filme a ser feito pegada a pegada. Sofri a primeira enxurrada e acabei a exibir os filmes no portátil aos habitantes da Bordeira, enxuguei as minhas roupas em Aljezur, subi a primeira serra em Espinhaço de Cão, um turista inglês a dizer-me: “Quem me dera ter a sua energia!”
O Algarve foi o meu laboratório, a minha base de lançamento, o meu atelier. Se tivesse de fracassar ou desistir, desistiria ali, depois de atravessar a mais solitária, desértica e hostil de todas as serras, o Caldeirão. A partir dali, foi sempre a subir, aos ziguezagues, como convem, para saborear e vivenciar o que o país tem para oferecer. Candidatei-me a caír à água no Pulo do Lobo de tanto querer fotografar a queda de água do lado de Serpa, andei aos pontapés a pedras, cobras mortas e poeira a caminho de Barrancos, recebi oferta de boleia de ciganos em carroças. Cruzei as últimas tabernas da área da Vidigueira antes que as transformem mais as suas traves em madeira e talhas em barro em restaurantes típicos. Escutei as rimas feitas na hora dos poetas populares alentejanos, assisti a ensaios de cante, atravessei as bandas desoladas da Lousã, Açor e acabei a conversar no planalto de Folgosinho com os últimos pastores da Serra da Estrela.
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Por vezes, convidam-me para ficar a viver ali mesmo. “Se gosta tanto disto porque é que não vem viver para aqui?”, perguntou-me a Dona Mena, do Restaurante e Bar Ponto de Encontro em Trinta, a dez quilómetros da Guarda. “Traga aqui a sua mulher e os seus filhos”, convidou-me a Dona Donzília, em Sequeiros, à beira do Rio Paiva.
Ao fim de dois anos de travessia, é impossível e indisfarçável não carregar comigo a tristeza e dor do abandono a que foi votado o campo. Como me dizia há dias o Padre Fontes, em Vilar de Perdizes: “Estamos a assistir à elegia do país rural. Cada funeral que realizo é mais uma pedra no caixão do mundo rural. Mas não desisto, é preciso continuar a fazer recolhas, a escutar os antigos”.
Eu também não quero desistir de vivenciar o país verdadeiro, o que subsiste à invasão do cimento, dos shoppings e ao novo-riquismo das obras grandes. De acordo com os meus planos, ainda tenho para calcorrear todo o Barroso, Terras de Basto, o Parque do Alvão e o Marão, voltar ao Douro, inflectir para o Grande Porto e conquistar o Minho até ao meu destino final de sempre: Lamas de Mouro, na Serra da Peneda.


Abraço a todos!
Nuno Ferreira

JAIME DA SILVA, FERREIRO E DEFENSOR DA TRADIÇÃO, SOLVEIRA

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Em Solveira, uma aldeia na base do Larouco, vizinha de Santo André e de Vilar de Perdizes, Jaime da Silva, 82 anos, é o homem que mais se bate pela defesa do antigo, da tradição, de como era dantes. "Eu tenho o vício de guardar tudo o que é antigo, desde moedas antigas a jugos, a paus de malhar. Sempre fui ferreiro, trabalhei na indústria do ferro em França durante 30 anos mas sempre cá vim pelo Natal e no Verão e acho que se deve preservar".
Solveira, é certo, já teve muito mais gente. "Emigrou quase tudo. Havia gente aos pontapés, os campos eram todos trabalhados, havia gente a comer-se uns aos outros, agora enterram-se os velhos e os novos não há".
Sigo pelas ruas de Solveira com Jaime da Silva e é com um brilho nos olhos que me abre o armazém onde guarda a sua colecção de sete malhadeiras. "Aquela ali tem cem anos, todas são diferentes". Jaime já organizou três malhadas durante o mês de Agosto, para os emigrantes e os de fora verem e reconhecerem a tradição, tal como era.
Vou com o senhor Jaime visitar o forno do povo: "Quando eu era pequeno, o forno era o "café" da aldeia, chovia ou nevava mas aqui como o forno estava sempre aceso, a cozer, estava sempre quente. Mais a mais, com estes quatro arcos em pedra e a cobertura também em pedra, não entrava frio por lado algum".
Depois do forno do povo, passamos na sineta, a famosa sineta de Solveira. "Outras aldeias usavam a buzina para chamar o gado para a vezeira, aqui era com esta sineta".
Apesar dos 82 anos, Jaime da Silva procura não parar. Mostra-me o cavalo, o burro, o espigueiro que fez, as suas balanças romanas e até um relógio de Sol, em pedra e que fez sózinho. "Qualquer coisa que pense fazer faço".

ARTESÃO ANTÓNIO ROLO, SANTO ANDRÉ

 
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OBRA DE ANTÓNIO ROLO EM SANTO ANDRÉ

 
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SANTO ANDRÉ

 
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COM O PADRE FONTES, EM VILAR DE PERDIZES: " ESTAMOS A ASSISTIR AO FUNERAL DO MUNDO RURAL"

 
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Encontrar-me com o Padre Fontes em Vilar de Perdizes foi especial. O Padre Fontes diz em poucas palavras e de forma lapidar o que tenho vindo a constatar em grande parte do território do interior rural português: "Cada pessoa que morre é uma biblioteca de saber popular que desaparece, se cada um contasse a sua vida íamos encontrar uma realidade que não volta mais. Ás vezes é exclusiva de uma pessoa, se não for registada morre. Os filhos podiam recolher, gravar mas dizem que dá muito trabalho. Gostava de gravar as canções, as lendas, as histórias deles mas tenho já dificuldade devido à saúde, vida, ao trabalho. Precisava de quem me ajudasse, a quem pudesse dizer: Vai ali que aquele sabe muita coisa".

"NÃO DESISTO NUNCA"

 
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Padre Fontes, enquanto mostra o seu pequeno mundo particular, da casa paroquial à nova casa (os livros, recolhas gravadas, gravuras, a cozinha, o quarto, tão rurais e transmontanos quanto o próprio): "Não desisto nunca". Apesar de, sempre que celebra mais um funeral, se sentir, como ele próprio define, "coveiro do mundo rural".
 
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VILAR DE PERDIZES

 
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FÁTIMA CRESPO (ASSOCIAÇÃO DE DEFESA DO PATRIMÓNIO DE VILAR DE PERDIZES): "VILAR VIVIA DE NOITE"

 
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Fátima Crespo, da Associação de Defesa do Património de Vilar de Perdizes, chegou a Vilar como professora. "Numa das primeiras aulas, abro a janela e vejo uma quantidade de burros presos junto à escola. Vi um velho a espreitar, um guarda fardado mais adiante... Fui perguntar aos colegas se sabiam o que se passava. Não imaginava que aqueles oito ou dez burros pertencessem ao contrabando.
Alguém com uma foice cortou a corda dos burros a lá foram eles, sabiam o que fazer".
Vilar de Perdizes vivia de noite. "Às duas, três da manhã, havia um movimento constante. As pessoas estavam aqui à espera de luz verde para avançarem. Fazia-se contrabando de tudo, bacalhau, azeite, alhos, chocolate. Também havia o contrabando de sobrevivência que era feito de dia mas o grande contrabando era feito à noite".
Mais tarde, os burros foram "despedidos" (cada pessoa tinha três ou quatro burros) e o contrabando passou a fazer-se em carrinhas VW e em camiões.
Vilar de Perdizes era uma aldeia "rica" em relação às outras: "Todas as crianças tinham dinheiro. Apareciam ensonadas na sala de aula, mais tarde percebi que tinham andado no contrabando de noite. As pessoas aqui, devido ao contrabando, ganharam um estatuto diferente do resto das aldeias do Barroso".
O fim do contrabando representou o final da atracção e movimentação da aldeia. Muita gente emigrou. "Vilar de Perdizes desertificou bastante", conta Fátima. Os burros, esses, ficaram "desempregados".

CAMPOS DE VILAR DE PERDIZES

 
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NA ESTRADA, ENTRE MEIXIDE E VILAR DE PERDIZES

 
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MEIXIDE

 
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SOUTELINHO DA RAIA

 
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ENTRE CHAVES E SOUTELINHO DA RAIA

 
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O MEU "AGENTE" EM CHAVES

 
Estava eu por alturas de Vimioso quando recebi uma mensagem através do Facebook: "Cá te esperamos!" Era assinada por Simão Martinho, que mais tarde soube cameraman na RTP e que tomou logo a providência especialíssima de propor uma peça sobre o Portugal A Pé à RTP em Bragança. Quando agradeci a delicadeza, limitou-se a dizer: "Ainda não viste nada. Apita quando chegares à zona de Chaves". Em Chaves, território do "Paco", só não mobilizou o Papa porque este vai a Fátima, Lisboa e Porto e não passa na veiga do Tâmega. Organizou uma tertúlia muito animada e super informal no Café Grão Bago, a um passo da ponte romana. Ligava aos colegas de profissão a mobilizá-los quase sempre da seguinte forma: "Tens de lá ir, ouvir as histórias do Nuno Ferreira...Quem é o Nuno Ferreira? Não sabes quem é o Nuno Ferreira? O homem que anda a atravessar o país a pé? Vá, anda lá...vais gostar..." Ligou a televisões, rádios e jornais, arranjou-me dormida e alimentação e é o responsável pelo tratamento vip que recebi à chegada ao Barroso. Só não gostou daquela foto com a legenda "Em Chaves" e um refrigerante na mesa: "Eles pagam-te alguma coisa para pores lá aquela porcaria?" Fazes favor colocas no blog uma mesa com presunto, pão e vinho de Chaves!
Grande "Paco", abraço a todos aí em casa.
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EM CHAVES

 
CORTESIA CAFÉ GRÃO BAGO
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Agradecimentos especiais em Chaves ao Simão Martinho, "Paco", a todos os que apareceram na tertúlia da passada quinta-feira no Café Grão Bago, ao Hotel Petrus e ao Restaurante Pátio do Imperador.

26/04/10

ABRIL DE 2010

 
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Quando em Torre de Moncorvo, um dos irmãos Girão, criadores do jornal local "Sabor a Ferro" e acérrimos defensores de Trás-os-Montes e de Moncorvo aconselharam-me a não perder as águas e os lameiros do Sabor por alturas de Remondes, Lagoa e Morais. Daí que tenha seguido de Carviçais, onde num dia de chuva aterrei na posta mirandesa do "Artur", tenha avançado por território semi-deserto das aldeias a sul de Mogadouro e dali tenha invertido para onde me tinham indicado. Não me arrependi. O Sabor, em Fevereiro, tem a personalidade e a correnteza de um verdadeiro rio transmontano, como mais tarde constataria junto ao Maçãs, já constatara ao calcorrear a linha do Tua ou acabei de constatar junto ao Tuela.
Chegado a Macedo de Cavaleiros, ainda sob o frio cinzento de Fevereiro, assisti à recriação de um carnaval que já foi genuíno, o de Podence e que ganhou nos últimos 20 anos uma dimensão nova, com o atrair de muitos forasteiros e de turistas à aldeia. Corria um vento gelado das bandas do Azibo que enregelava as faces desprotegidas dos de fora e afugentava os locais, já habituados ao ritual dos chocalhos atrás das moças. Por momentos, caíram farrapos de neve enquanto o céu baixava cinzento até cobrir o mundo verde à volta de uma opressiva depressão invernal que só terminou quando entrei num café aquecido, vigas em madeira e vi jarros de vinho, queijo, presunto, sob uma mesa de foliões junto a uma lareira.
Por essa altura, tinha planeado seguir pela Serra da Nogueira em direcção de Bragança mas em boa altura consultei na net o rol de associações de gaiteiros e pauliteiros de Miranda e decidi "atacar" o planalto. As bandas de Vimioso foram das mais solitárias e tristes que encontrei na viagem, território que em tempos serviu de refúgio a judeus perseguidos pela Inquisição, que mais tarde foi esvaziado pela emigração e hoje apresenta mais casas do que habitantes em muitas aldeias.

TRAJECTO 2009/2010

 
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2008/2009/2010

 
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2008

 
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ALGARVE/ ALENTEJO 2008

 
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