DIÁRIO DE VIAGEM DO JORNALISTA NUNO FERREIRA (EX-EXPRESSO, EX-PÚBLICO) QUE ATRAVESSOU PORTUGAL A PÉ ENTRE FEVEREIRO DE 2008 E NOVEMBRO DE 2010. O BLOG INCLUI TODAS AS CRÓNICAS PUBLICADAS NA REVISTA "ÚNICA" EM 2008, BEM COMO AS QUE SÃO PUBLICADAS SEMANALMENTE NO SITE CAFÉ PORTUGAL. (Travel diaries of Nuno Ferreira, a portuguese journalist who crossed Portugal on foot from February 2008 to November 2010. contact: nunoferreira62@gmail.com ou nunocountry@gmail.com

24/07/10

A CAMINHO DE APÚLIA POR VILAR DE FIGOS

 
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Já na Nacional 206, senti que não deixava apenas os santos, os santuários, a Batalha de São Mamede, as marcas inconfundíveis da História de Portugal cravadas em cada empedrado do centro histórico para trás. Transportava comigo as memórias do Osvaldinho e um pedaço da história do Vitória, o único clube em cujo estádio as bancadas refletem a imagem de D.Afonso Henriques. Alguém mete um golo e a sombra duradoura e omnipotente do fundador da nação paira sobre a baliza, os jogadores, a mole humana de “conquistadores”.
Ao contrário das muralhas e labirintos arquitectónicos de Guimarães, a EN 206 é um hino à história contemporânea e a um dos seus episódios nortenhos, a industrialização. Da estrada pude ver, por entre janelas abertas, mulheres debruçadas sobre as máquinas como certamente o farão há anos. A mancha urbana que une a cidade a Famalicão vai mudando de nome, numa espécie de recta interminável, de fábricas, moradias, prédios, placas publicitárias, camiões, motorizadas: Ronfe, Vermil, Joane, Pousada de Saramagos, Vermoim, Requião. Por vezes, as placas jazem encobertas por vegetação variada, desde simples silvas a fetos ou vinhas. Em alguns casos, estas abraçam os rails e estendem a sua presença à berma ou aos passeios das povoações, como que a dizer: “queres caminhar, vais para a estrada”.
Foi com alívio e alegria que celebrei a aparição, a norte de Famalicão e já no concelho de Barcelos, dos campos de milho, o milho alto e ondulante de Julho. Batido pelo vento, todo aquele mar verde oscila ao meu lado. Escolhi uma estrada bastante secundária, muito secundarizada mesmo, para atingir a Apúlia, a praia dos sargaços e ganhei a aposta. Em Vilar de Figos, de um pequeno alto, pude ver o mar pela primeira vez. Em Cristelo e depois em Barqueiros, vi a minha insistência premiada com os campos de milho mais vastos e omnipresentes da caminhada. Uma criança e um idoso ficaram a olhar-me de boca aberta ao ver-me tirar fotografias insistentes dos campos à luz do fim da tarde. A rapariga parou por momentos de brincar e chamou o avô. Vi os dois vultos esfumarem-se ao longe na minha pequena subida para Barqueiros.
A Apúlia só apareceu depois de uma via rápida que leva a diversas auto-estradas. Vendedores de melão discutiam o preço com um grupo de turistas, um dos quais me pareceu ter bebido demasiado durante a tarde, debruçado sobre a berma, líquido vermelho a escorrer-lhe das beiças.
Como todas as povoações do litoral, a Apúlia prometia nunca mais acabar, até que avistei a capela da Senhora da Guia em forma de proa, depois as barracas de riscas azuis e brancas, espreitei o areal e pude confirmar que sim, aquilo aos pés dos últimos banhistas eram algas, sargaço. Os sargaceiros, esses, só em livro, postal ou na próxima actuação do GSCPA, Grupo dos Sargaceiros da Casa do Povo da Apúlia. Estava finalmente no mar, o mar batido a vento do minho.

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