DIÁRIO DE VIAGEM DO JORNALISTA NUNO FERREIRA (EX-EXPRESSO, EX-PÚBLICO) QUE ATRAVESSOU PORTUGAL A PÉ ENTRE FEVEREIRO DE 2008 E NOVEMBRO DE 2010. O BLOG INCLUI TODAS AS CRÓNICAS PUBLICADAS NA REVISTA "ÚNICA" EM 2008, BEM COMO AS QUE SÃO PUBLICADAS SEMANALMENTE NO SITE CAFÉ PORTUGAL. (Travel diaries of Nuno Ferreira, a portuguese journalist who crossed Portugal on foot from February 2008 to November 2010. contact: nunoferreira62@gmail.com ou nunocountry@gmail.com
16/06/09
"ESTÁ TUDO PARA A SUÍÇA!" (CRÓNICA PUBLICADA NO CORREIO DA MANHÃ)
Quem vê António Pinto a pastorear cabras junto à vegetação verdejante que cobre a serra entre Parada de Ester e Eiriz, não imagina que aquele homem de aparência humilde, chapéu de palha e um sorriso ingénuo no rosto, foi proprietário de uma frutaria na Rua do Arsenal, em Lisboa, bem perto do falecido “Rei do Bacalhau”: “Conhecia o homem muito bem e tive muita pena da forma como foi assassinado “- a golpes de cutelo por um ex-empregado.
A vida de António é a de um regressado. “Estas cabras são apenas para me entreter”, explica, enquanto passa junto a mais uma cascata do Ribeiro Sonso, uma daquelas que a temperatura de quase Verão convida a um mergulho e movia muitos moinhos em Mós e Eiriz. “Aqui está quase tudo para a Suíça”, vai informando enquanto passamos por vivendas grandes, algumas com piscina, que aos poucos foram substituindo as velhas casas de xisto e telhado de lousa da região. “Estão fechadas, acabam por só as gozar no Verão, há aqui muitas casas fechadas. António Pinto vive desinteressado da política, tal como outros serranos que encontramos mais acima, na última aldeia antes da subida em corta-mato até às Portas de Montemuro. É fim de semana e Maio um mês de muito trabalho no campo, seja no milho, seja na vinha. De vez em quando, entre socalcos, a Serra de São Macário em frente, um outro casal transporta uma junta de bois ou ajeita a vinha. Ali é tudo a subir. “Eu nunca saí daqui”, explica um rosado e corpulento aldeão a cuidar de três vacas, a última vivalma antes da serra pura e dura. “Durante a semana trabalho na construção mas nunca daqui saí. De Inverno faz um frio do car…”
DESERTIFICAÇÂO EM CABRIL (CRÓNICA PUBLICADA NO CORREIO DA MANHÃ)
“A maioria dos habitantes daqui nem sequer sabem que vai haver eleições europeias e outros sabem mas não ligam aos editais. É algo que não lhes diz nada, estão preocupados com o milho ou com a casa ou com a vinha…”, explica José Gonçalves, 59 anos, presidente socialista da Junta de Freguesia de Cabril, Castro Daire.
Natural de Cabril, neto e filho de emigrantes no Brasil, José sentencia rápidamente o destino da freguesia: “O nosso principal problema foi a maioria da população ter migrado para Lisboa. Muitos foram para a tropa durante a Guerra Colonial, lá abriram os olhos para o mundo mas por lá ficaram, com filhos e netos. Fizeram cá casa mas cada vez vêem menos”. O mesmo já não se passa com os poucos que migraram para o Porto: “São menos mas vêem todos os fins de semana porque a distância é menor”.
O efeito da emigração para o Brasil, França, Alemanha e Lisboa é tanto que mesmo a 15 de Agosto, pelas Festas da Nossa Senhora da Assunção, os que migraram visitam a terra natal em cada vez maior número. “O cordão umbilical partiu-se, resume José Gonçalves, ex-professor em Resende, distrito de Viseu.
Cabril tinha muito potencial agrícola e o seu azeite, há mais de vinte anos, chegou a ser considerado “o melhor do país” por um técnico do IROMA (Instituto Regulador e Orientador dos Mercados Agrícolas). Hoje, a maior parte dos terrenos abandonados, mantem um potencial turístico elevado. A Aldeia de Levadas, na freguesia, já sem habitantes e em xisto e telhados de lousa já foi objecto de cobiça de grupos turísticos. “Infelizmente, as pessoas donas das casas estão para fora mas não querem vender. Para nós, seria óptimo que ali criassem uma aldeia turística”.
"A MINHA VIDA DAVA UM FILME"
“Eu “boto” sempre, umas vezes num , outras vezes noutro mas destas eleições não sei de nada”, explica Augusto Gomes, 84 anos, dez filhos, 16 netos e 7 bisnetos. “ Eu não quero nem partido nem clube de futebol e nem tenho tempo para isso”.
“Uh…a minha vida dava um filme melhor que a desses políticos de gravata”. Natural de Meã, Castro Daire, uma aldeia em tempos toda em xisto e lousa, Augusto viveu em Parada de Ester, em Sequeiros (São Pedro do Sul) e na vizinha Grijó, onde se mantem actualmente, sozinho: “Tenho filhos na Austrália, em Lisboa…só um por aqui”.
Augusto conheceu o mundo exterior em 1945, quando assentou praça em Viseu mas, retirando as visitas esporádicas à família, em Lisboa, o seu mundo é o campo e o Rio Paiva. “Fui caseiro de um patrão que sempre me tratou bem. Dava os comeres que cresciam para os meus filhos. Era boa pessoa. Deus o tenha em descanso”.
Filho ilegítimo- “eu era de quarta-feira”- Augusto trabalhou no campo até aos 79 anos e recebe 340 euros de reforma por mês. “ Trabalhava o milho e tinha um patrão com três vacas mas o outro caseiro, que dividia a terra a meio comigo, ficava com elas todas para ele”.
As terras que Augusto, devido a problemas de saúde, já não consegue cultivar, jazem ao abandono. “Pedem 40 euros por dia para as trabalhar, ninguém tem dinheiro para poder pagar isso”. E as fundamentais e prioritárias eleições que já levaram Vital Moreira a falar num imposto europeu e levaram Sócrates e Zapatero de Falcon? “Não sei de nada”, afirma Augusto Gomes.
TI ANTÓNIO DE RERIZ
O Ti António de Reriz, 78 anos, segura a sua velha e bem usada cana de pesca da Índia entre a estreira ruela de Nodar, onde vive e diz o que lhe vai na alma em relação às eleições europeias: “Eu vou votar. Desde o 25 de Abril que voto PS e vou de motorizada a São Martinho das Moitas para votar”.
O Ti António só saiu de Nodar para uma infrutífera migração para França durante três meses, nos anos 70. “ Por um lado, tenho pena de não me terem dado autorização para trabalhar mas por outro, hoje podia estar morto de trabalho e estou vivo, vivo de ar puro e gelado”.
O Ti António tem pescado no Rio Paiva desde os oito, seguindo rio acima e abaixo e dormindo onde fosse preciso, com os pais e irmãos. “De Cinfães até aqui e daqui até Castro Daire, pescava bogas, bordalo, trutas e enguias -“A melhor enguia do país, enguias de dois quilos e meio. Sabe porquê? Por causa da água do Paiva, limpa, pura. Melhor que a do Vouga e do Douro”.
Desde que proibiram a pesca à rede, primeiro de Castro Daire a Reriz, depois de Reriz a Nodar e mais tarde de Nodar a Alvarenga, já no concelho de Arouca, desistiu de trabalhar “Uma cana dá pouco. Um pescador de cana ganha e gasta a comer muito mais do que ganha”, diz. A alternativa do Ti António à pesca no Paiva passou a ser o cultivo da terra, da batata ao centeio, do trigo ao feijão e hortaliça , da criação de ovelhas à criação de vacas.
O Ti António de Reriz não tem pejo em explicar porque vai votar no Partido Socialista, muito menos tendo como testemunhas alguns vizinhos: “O Sócrates está a ser um bocadinho duro mas o que eu digo é que o chefe de todos tem que ir a casa buscar dinheiro para pagar a dívida. É o que ele está a fazer…”
"NÃO TENHO FÉRIAS" (CRÓNICA PUBLICADA NO CORREIO DA MANHÃ)
“O presidente disse para não irmos de férias no dia das eleições europeias? Eu não tenho férias, nunca tirei férias”, explica Fátima Marques, 47 anos, um sorriso triste que não esconde desalento e dificuldades. Há nove anos, desempregada- trabalhava no matadouro local-aceitou o desafio de aprender tecelagem. Com ajudas comunitárias e da autarquia, aprendeu a tecer juntamente com outras mulheres sem trabalho. Ao fim de um ano, no âmbito da Associação de Artesãos de São Pedro do Sul, instalaram-se na antiga estação de caminhos de ferro. “Nunca tinha visto um tear, aprendi do zero”, diz. “Mesmo assim, nunca se sabe tudo, aprende-se o básico e tenta-se sempre ir melhorando”.
Como a venda de artesanato não era suficiente para se governarem, criaram um restaurante. Hoje, são cinco mulheres a cozinhar, tecer e a servir às mesas. “Fazemos tudo mas está complicado. As pessoas evitam fazer compras por causa da crise e viver apenas do artesanato é impossível”. Com o que ganham, ao fim do mês, conseguem viver com o salário mínimo. “Vai-se buscar ali e acolá, gasta-se tudo mas vai-se tentando viver”, explica uma cansada Fátima Marques, demasiado preocupada em sobreviver para seguir a campanha eleitoral ou se preocupar em votar.
. “Eu costumo a pôr sempre o voto mas não vivo de política, vivo de trabalho e não sigo a campanha eleitoral. Hoje estão lá uns, amanhã outros, temos de nos dar bem com todos”.
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