Em dias como o da passada sexta-feira, o céu abate-se sombrio sobre Viana e do lado do Cabedelo, há momentos em que Santa Luzia é mais um exercício de imaginação do que um santuário. Sabe-se que lá está mas oculta por uma toalha cinzenta. Na avenida principal, o grasnar das gaivotas confunde-se com a vozearia alegre de uma excursão de espanhóis ou o troar militaresco de estudantes em capa e batina que gritam “um, dois, três” a um bando de caloiros submissos.
O famigerado alerta laranja desvaneceu-se no sábado. As ruas do centro acordaram lavadas de sol e os turistas puderam acorrer sem sobressaltos aos monumentos da praxe ou sentar-se nas esplanadas a absorver a claridade húmida de Viana do Castelo. Desviei por entre umas gruas e armazéns e fui dar ao molhe norte.
Nesse dia, o mar todo ele era espuma, embatendo furiosamente contra o paredão. A determinada altura, não falta o aviso. Existe ali uma placa que proíbe a passagem devido ao perigo da rebentação. Dois pescadores mais avisados contornaram as rochas, pelo lado esquerdo, evitaram o ponto de rebentação maior e seguiram para os seus pontos de pesca. Um homem jovem parecia brincar com o vaivém perigoso das vagas, deixando-se propositadamente encharcar, num duelo quase suicida com as ondas cada vez maiores. Mais tarde, apercebi-me que o mar já cavara um fosso nas pedras, do lado da cidade e que estar ali seria sempre pura teimosia.
Depois da Praia do Norte, em direcção a Afife, as vagas muito brancas partindo a um, dois metros dos moinhos da Areosa, o Oceano encheu-se de espuma entre o negro dos rochedos, como leite coalhado ou nuvens emergindo entre montanhas. Nesta altura do ano, pouco mais há por ali do que um ou outro pescador ou um casal a namorar as ondas. As praias, esvaziadas de banhistas, enchem-se de gaivotas. Até que surge o perfil solitário do farol de Montedor, semi-escondido das arribas por um matagal de giesta colorida, arbustos rasteiros de amarelos e vermelhos e roxos, mais o cinzento dos que já secaram.
Um pescador aparece e desaparece entre falésias. Mais à frente, a duna morre numa fatia esboroada, hesito continuar pelos seixos. Contorno o litoral pela estrada Valença-Viana, para poder regressar ao mar em Geifa, onde aos poucos vai crescendo no horizonte o perfil da marginal de Vila Praia de Âncora.
Na manhã de ontem, a borrasca para trás das costas, os barcos vermelhos e verdes e azuis chegam à pequena lota numa alegria de faina de Verão. “Tomara a gente no Verão ter tanto peixe como hoje. Há mais peixe que clientes”, desabafa uma peixeira. Na verdade, há muita gente regateando o pescado, protegido do sol de Outubro por guarda-sóis multicoloridos onde pousam desavergonhadas as gaivotas. Os pescadores, terminada a pesca, atravessam a estrada e enfiam-se no Café “Golfinho”, entre os seus, redes e motivos de pesca nas paredes. “Hoje sim, já não pescavamos assim há muito tempo”.
A Praia de Moledo, mais as suas moradias de veraneio, espraia-se até à foz, até ao fim, emoldurada pela Fortaleza da Ínsua e pelo Monte de Santa Tecla. Já na Mata do Camarido, entre os pinheiros, ouço os espanhóis a chegar, os mesmos que mais tarde encherão à hora de almoço a praça junto à Torre do Relógio, em Caminha: “Moledo, es una playa mui preciosa…”
2 comentários:
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Fotos com cheiro a mar:)
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