PORTUGAL A PÉ (PORTUGAL ON FOOT)
DIÁRIO DE VIAGEM DO JORNALISTA NUNO FERREIRA (EX-EXPRESSO, EX-PÚBLICO) QUE ATRAVESSOU PORTUGAL A PÉ ENTRE FEVEREIRO DE 2008 E NOVEMBRO DE 2010. O BLOG INCLUI TODAS AS CRÓNICAS PUBLICADAS NA REVISTA "ÚNICA" EM 2008, BEM COMO AS QUE SÃO PUBLICADAS SEMANALMENTE NO SITE CAFÉ PORTUGAL. (Travel diaries of Nuno Ferreira, a portuguese journalist who crossed Portugal on foot from February 2008 to November 2010. contact: nunoferreira62@gmail.com ou nunocountry@gmail.com
19/12/11
13/10/11
22/09/11
08/09/11
LIVRO PORTUGAL A PÉ
Já está escrito e quase paginado. Está aí que não tarda. Alguma vez tinha de ser. Mais pormenores em breve.
abraço a todos
Nuno Ferreira
nunocountry@gmail.com
abraço a todos
Nuno Ferreira
nunocountry@gmail.com
29/11/10
ACABOU
O Portugal a Pé terminou em Cevide, Melgaço, independentemente das crónicas que venha a publicar no site do Café Portugal e da possibilidade de fazer o mesmo nas ilhas. Agradeço a todos os que seguiram este blogue e aos que me ajudaram ao longo da estrada. É normal que venha a colocar dentro em breve mais texto e videos. O livro segue dentro de momentos.
Abraço a todos
Nuno Ferreira
De Ambiente de trabalho |
BIO DE NUNO FERREIRA
Natural de Aveiro, onde nasceu em 1962, Nuno Ferreira licenciou-se em comunicação social na Universidade Nova de Lisboa. Foi colaborador permanente do semanário Expresso de 86 a 89, ano em que ingressou nos quadros do jornal Público, onde se manteve até Setembro de 2006. Nos últimos 20 anos fez todo o tipo de reportagens de cariz social, primeiro na revista do Expresso e mais tarde em diversas secções do Público (Sociedade, Local e Pública). Neste último, manteve uma crónica satírica intitulada “Ficcões do País Obscuro” e escreveu sobre música popular americana. Entre outros prémios, recebeu em 96 o Prémio de Jornalismo de Viagem do Clube de Jornalistas do Porto com o trabalho “Route 66 a Estrada da América”, que lhe valeu também uma menção honrosa da Fundação Luso-Americana. Um ano mais tarde, recebeu o Prémio de Jornalismo de Viagem do Clube Português de Imprensa com o trabalho “A Índia de Comboio”. Em 2007 publicou conjuntamente com Pedro Faria o livro "Ao Volante do Poder" na editora Bertrand. Publicou crónicas do "Portugal A Pé" na Revista "Única" do "Expresso" entre Fevereiro e Setembro de 2008. Publica crónicas semanais no site Café Portugal (http://www.cafeportugal.net/).
Nuno Ferreira was born in Aveiro, Portugal, in 1962. He has a degree of journalism. Nuno worked for Lisbon "Expresso" weekly newspaper from 86 till 89. Then, he worked on Lisbon "PUBLICO" newspaper staff from 89 till 2006. He won a portuguese travel journalism award for "Route 66 America's Road" in 96 and a year later he won another award for "India By Train". Nuno Ferreira published a book in 2007 called "Ao Volante do Poder" ("On Power's Wheel")and he's now working as a freelancer.
NO "JANELA INDISCRETA"
Agradecimentos a Pedro Rolo Duarte aos sites de onde recolhi imagens da terrível tragédia em Alcafache: Mangualde Online, Bombeiros de Mangualde, Bombeiros de Canas de Senhorim, Câmara Municipal de Mangualde.
AMIZADE LUSO-GALAICA
O FIM
UM DOS ÚLTIMOS
MÁRIO OLÍMPIO
"É ALI "
“Ali ao meio”, aponta Mário Olímpio, o meu anfitrião em Cevide, concelho de Melgaço, o lugar mais a norte de Portugal, “ali mesmo no meio do rio Minho é que é a linha de fronteira”. Estamos em plena ponte internacional, nas nossas costas a barragem espanhola de Friera, do lado direito a estação de caminhos de ferro da linha Vigo-Madrid e do lado esquerdo Cevide, mais lá em cima São Gregório, Portugal.
A minha jornada começara nesse dia de Novembro passado em Castro Laboreiro, o céu pesado e frio ameaçando já neve para o fim de semana nos lugares mais agrestes do planalto- as brandas- lugares esquecidos do mundo onde a tradição pede que o povo leve o gado para fugir ao calor breve mas intenso do estio.
O povo, essa generalização fácil, é cada vez menos por aquele lugar antigo, marcado pelos vestígios (dólmenes, castros) de quem para ali foi em fuga e escolheu o isolamento da serra há muitos, muitos anos. Os turistas só surgem com o bom tempo para comer o cabrito, gastar o fôlego na subida ao castelo, dar um passeio pelas ruelas estreitas da povoação e zarpar.
Nos dias de semana de Novembro, os comerciantes vivem à espera da época boa, a das excursões. Refugiam-se junto à baforada quente do ar condicionado, embrulhados em roupa quente e tédio. Na estalagem, sou o único cliente. O dono recebe-me pela porta do bar. “Há dias levaram um multibanco durante a noite ali do lado de Espanha. Aqui, anteontem, acordámos com o alarme do café do meu vizinho. Por isso, fechei a porta principal e à meia noite fecho tudo e ligo o alarme”. A GNR mais próxima está a quase 20 quilómetros de distância, lá em baixo, junto ao rio Minho. “A gente defende-se, somos uns pelos outros”. O vento assobia, rodopia e deserta a rua, atravessada por cães de pele escura, acostumados à invernia.
A manhã acorda rija no planalto. As águas do rio Laboreiro trepam em sobressalto umas por cima das outras, saltando as pedras como atletas numa prova de obstáculos, indiferentes ao vento gelado que fustiga as folhas redondas e amarelecidas dos amieiros. Ao fim de uns quilómetros, despeço-me das alturas, da Peneda, de Lamas de Mouro e inicio a descida em direcção ao fim, ao ponto mais a norte do país.
A estrada municipal 1138 assenta em Portugal mas acompanha o território galego. Ainda atravesso o pequeno lugar de Alcobaça, um ou outro idoso espreitando em assombro, quando o céu se fecha e desaba chuva muito fria e bolas de granizo que varrem o asfalto por momentos. Se a estrada é portuguesa, a paisagem é galega. Passo junto a uma caixa de correio implantada em Portugal mas envolta no verde do vale do outro lado da raia.
Os lugares, a aparente arbitrariedade da linha fronteiriça, confundem-se, confundem-me. Lapela, mesmo por baixo dos meus pés, já é Espanha mas mais adiante Cristoval, é Portugal. O que ali parece traçar a divisória é o Trancoso, o rio. Para os mais distraídos, numa ou outra capela, numa ou outra casa, assomam pequenas bandeirinhas portuguesas, como um risco no chão a dizer a quem passa: Aqui ainda é Portugal. Não é fácil esquecer Cristoval. É domingo e os altifalantes instalados no topo da igreja espalham a fé em português para ambos os lados da fronteira. A voz estridente de uma mulher canta “Salve Rainha...”, os agudos atravessando o cérebro de quem passa.
Dali à fronteira de São Gregório é um passo. Ironia do destino, um dedo do pé esquerdo resolve revoltar-se no fim. Quer que eu faça o que resta a mancar, como um peregrino à chegada a Fátima.
Passo sem vagar junto aos edifícios fechados da antiga alfândega de São Gregório, atravesso a via rápida e desço até Cevide, um poço de verdura entrincheirado entre o rio Trancoso, o rio Minho e a vizinha aldeia galega de Friera. Uma pequena placa de madeira acolhe os visitantes: “Cevide, o lugar mais a norte de Portugal”. Desce-se o cimento com que alguém tapou uma calçada romana, passa-se junto à pequena capela de Santo António e chega-se à antiga casa da Guarda Fiscal e à ponte que separa os dois países. Durante a Guerra Civil de Espanha, a ponte foi dinamitada pelos franquistas para impedir a passagem dos republicanos. Ali, no entanto, a grande actividade sempre foi o contrabando. Na antiga loja da casa de família, o meu anfitrião Mário Olímpio ainda guarda as prateleiras, o balcão, a balança. “Eu era miúdo, nos anos 80 e ainda se fazia muito contrabando. No Verão, passavamos o rio Trancoso de pedra em pedra e no Inverno cortavamos dois amieiros, metíamos-lhe arame, cravávamos-lhe umas tábuas para fazer de escada e aí íamos nós”, conta Mário Olímpio. Passava-se bananas, bacalhau, arroz, geralmente com a conivência dos guardas. Mário, em adolescente, também passou pessoas. “Pessoas que queriam passar para Espanha e não tinham papéis, vinham até aqui de táxi e depois a gente passava-os por mil escudos cada um. Eram sobretudos emigrantes negros e prostitutas. “Elas tinham sempre um indivíduo num mercedes branco à espera delas do outro lado. Eles apanhavam o comboio em Friera, a gente esperava com eles e ajudava-os a entrar à socapa”.
Mário leva-nos ao lado galego, onde cruza as suas memórias de contrabandista adolescente com as de Manolo que apresenta na brincadeira como o antigo “rei do contrabando”. Os olhos do vizinho Manolo brilham quando recorda aqueles tempos. “Lembras-te do Zeca Diabo?” O “Zeca Diabo” era um comandante que levava a lei a preceito e fazia a cabeça em água a contrabandistas e guardas coniventes. “Eles “comiam” também e tinham de avisar sempre que ele aparecia”, explicam.
O fim do contrabando e a emigração desertou o lugar, tanto do lado galego como português. Mário, actualmente a viver em Ponte de Lima, sonha voltar e abrir ali uma casa de turismo rural. “Deixa-te disso. Isto aqui morreu, aqui não há futuro...” desabafa um céptico e desiludido Manolo. Mário não quer desistir: “Você não atravessou Portugal a pé? Este é o meu sonho. Hei-de conseguir. E não se esqueça de escrever que em Cevide se ouve o galo cantar em três províncias: Orense, Pontevedra e Minho”.
O FIM DA LINHA
FIM DE VIAGEM
DESCONTRACÇÃO DO ÚLTIMO DIA DE VIAGEM
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