DIÁRIO DE VIAGEM DO JORNALISTA NUNO FERREIRA (EX-EXPRESSO, EX-PÚBLICO) QUE ATRAVESSOU PORTUGAL A PÉ ENTRE FEVEREIRO DE 2008 E NOVEMBRO DE 2010. O BLOG INCLUI TODAS AS CRÓNICAS PUBLICADAS NA REVISTA "ÚNICA" EM 2008, BEM COMO AS QUE SÃO PUBLICADAS SEMANALMENTE NO SITE CAFÉ PORTUGAL. (Travel diaries of Nuno Ferreira, a portuguese journalist who crossed Portugal on foot from February 2008 to November 2010. contact: nunoferreira62@gmail.com ou nunocountry@gmail.com

23/10/10

NO LITORAL DE VIANA (clicar para ler no SITE DO CAFÉ PORTUGAL)

Em dias como o da passada sexta-feira, o céu abate-se sombrio sobre Viana e do lado do Cabedelo, há momentos em que Santa Luzia é mais um exercício de imaginação do que um santuário. Sabe-se que lá está mas oculta por uma toalha cinzenta. Na avenida principal, o grasnar das gaivotas confunde-se com a vozearia alegre de uma excursão de espanhóis ou o troar militaresco de estudantes em capa e batina que gritam “um, dois, três” a um bando de caloiros submissos.
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O famigerado alerta laranja desvaneceu-se no sábado. As ruas do centro acordaram lavadas de sol e os turistas puderam acorrer sem sobressaltos aos monumentos da praxe ou sentar-se nas esplanadas a absorver a claridade húmida de Viana do Castelo. Desviei por entre umas gruas e armazéns e fui dar ao molhe norte.
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Nesse dia, o mar todo ele era espuma, embatendo furiosamente contra o paredão. A determinada altura, não falta o aviso. Existe ali uma placa que proíbe a passagem devido ao perigo da rebentação. Dois pescadores mais avisados contornaram as rochas, pelo lado esquerdo, evitaram o ponto de rebentação maior e seguiram para os seus pontos de pesca. Um homem jovem parecia brincar com o vaivém perigoso das vagas, deixando-se propositadamente encharcar, num duelo quase suicida com as ondas cada vez maiores. Mais tarde, apercebi-me que o mar já cavara um fosso nas pedras, do lado da cidade e que estar ali seria sempre pura teimosia.
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Depois da Praia do Norte, em direcção a Afife, as vagas muito brancas partindo a um, dois metros dos moinhos da Areosa, o Oceano encheu-se de espuma entre o negro dos rochedos, como leite coalhado ou nuvens emergindo entre montanhas. Nesta altura do ano, pouco mais há por ali do que um ou outro pescador ou um casal a namorar as ondas. As praias, esvaziadas de banhistas, enchem-se de gaivotas. Até que surge o perfil solitário do farol de Montedor, semi-escondido das arribas por um matagal de giesta colorida, arbustos rasteiros de amarelos e vermelhos e roxos, mais o cinzento dos que já secaram.
Um pescador aparece e desaparece entre falésias. Mais à frente, a duna morre numa fatia esboroada, hesito continuar pelos seixos. Contorno o litoral pela estrada Valença-Viana, para poder regressar ao mar em Geifa, onde aos poucos vai crescendo no horizonte o perfil da marginal de Vila Praia de Âncora.
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Na manhã de ontem, a borrasca para trás das costas, os barcos vermelhos e verdes e azuis chegam à pequena lota numa alegria de faina de Verão. “Tomara a gente no Verão ter tanto peixe como hoje. Há mais peixe que clientes”, desabafa uma peixeira. Na verdade, há muita gente regateando o pescado, protegido do sol de Outubro por guarda-sóis multicoloridos onde pousam desavergonhadas as gaivotas. Os pescadores, terminada a pesca, atravessam a estrada e enfiam-se no Café “Golfinho”, entre os seus, redes e motivos de pesca nas paredes. “Hoje sim, já não pescavamos assim há muito tempo”.
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A Praia de Moledo, mais as suas moradias de veraneio, espraia-se até à foz, até ao fim, emoldurada pela Fortaleza da Ínsua e pelo Monte de Santa Tecla. Já na Mata do Camarido, entre os pinheiros, ouço os espanhóis a chegar, os mesmos que mais tarde encherão à hora de almoço a praça junto à Torre do Relógio, em Caminha: “Moledo, es una playa mui preciosa…”
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07/10/10

"ESTA GENTE NOVA NÃO SE ACREDITA" (clicar para ler no site CAFÉ PORTUGAL)

Nos meses de Inverno, Manuel Fidalgo dos Santos, conhecido como “Manuel do Pau” ou Ti Mané, largava Folgosinho (Gouveia) com mais quatro homens a pé acompanhando um rebanho de mais de 200 cabras e ovelhas até ao Douro, Régua, Sabrosa, Alijó, Vila Real. Levava cinco a seis dias para lá e no final das invernias regressava. “Chegava a levar as crias, borreguitos pequenos, elas a parirem. Para cá, os borregos já vinham grandes”. Uma rez com três a quatro anos já sabia o caminho de olhos fechados. “Tão bem como eu”. Durante os 20 anos em que andou nessas andanças, o Ti Mané dormia à chuva e à neve, embrulhado na manta. “Agora, como podem dizer que a vida 'tá má? Nunca viram o qu' é mau? Querem é fados...”
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Nas minhas caminhadas pelos buracos mais escondidos do país, tenho encontrado muitos Ti Manés, homens idosos, que viveram um tempo e uma crise cem vezes pior que a de hoje e que se riem quando lhes falo das dificuldades actuais. Alguns já se acostumaram a que os mais novos achem as suas histórias exageradas: “Dizem que estou a inventar”.
Austero e empedernido como as pedras das arribas do Douro Internacional, Ângelo Arribas, mestre da gaita de foles, contou-me em Freixiosa, Miranda do Douro, como foi entre muitas dificuldades e pobreza que construíu a sua primeira gaita: “Eramos pastores, eu e os meus irmãos, andavamos aí ao frio, à neve. A música era a nossa única distracção. O meu primeiro tamboril foi feito com pele de coelho aparada com uma lâmina de barbear e os aros foram feitos a partir de uma lata de conservas. A minha primeira gaita de foles foi feita com palhetas de canas de centeio e pele de rato. Se não acredita pergunte aqui ao meu irmão...”
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Em Abril deste ano, em Moimenta da Raia, Vinhais, foi-me apresentado um rijo e desassombrado ex-contrabandista, o Ti Fernando de Casares. O Ti Fernando falava sem pejo da realidade daquele tempo, de quando colocavam pedras no rabo dos burros para eles passarem a fronteira sem fazer barulho ou de quando (imagine-se) punham aguardente nos ouvidos dos porcos para eles não chiarem no caminho.
Passava fardos de 40 a 50 quilos entre o caír da noite e o raiar da aurora, tabaco, bacalhau, burros, porcos, cobre, numa época em que grande parte da população se dedicava ao contrabando.
No final de cada história, Fernando virava-se para a pessoa que mo tinha apresentado e comentava: “Agora, nós estarmos a falar do que era aquele tempo, esta gente nova não se acredita...”
Na Amareleja, a 80 quilómetros de Beja e 9 de Espanha, na terra onde os termómetros chegam no Verão aos 47 graus, os mais velhos encolhiam os ombros sempre que lhes falava em crise. A expressão usada era sempre a mesma: “Oh, nos tempos da miséria...” Entre jogatanas de dominó, xito (malha) na praça da Torre do Relógio à tarde, entre um copo de tinto e pedaços de porco preto espetados em palito de madeira, os idosos relembravam tempos muito mais duros.
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“Dizem que a vida está má...e no nosso tempo?”, perguntava José Cantarinho, ex-guardador de vacas, ex-empregado de café. “Fui à ceifa para aquelas barreiras de Bucelas que aqui era fraco”. António José Ferreira, companheiro de dominó, fez podas, ceifas, labutou numa fábrica de automóveis em Amiens, na França e aguentou 16 abaixo de zero na Suíça a trabalhar em estufas. Agostinho Caetano, andou nas obras em Lisboa, na beterraba em França e jardinagem na Suíça. “Agora é tudo máquinas. Nos tempos da miséria, uh...”
Agostinho José Caetano

28/09/10

PELO MINHO ACIMA

 
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Cheguei aquela parte em que não apetece terminar. Até ando mais devagar. Queria que Portugal fosse maior para poder estender a caminhada. Paciência.
Abraço a todos
Nuno

NO NOSSO QUINTAL DAS TRASEIRAS (CLICAR PARA LER NO SITE CAFÉ PORTUGAL)

Quando nos afadigamos a descobrir Portugal a pé nem sempre vemos o que gostaríamos ver. Demasiadas vezes, sinto-me como um intruso na cozinha de um restaurante de segunda categoria, nos bastidores caóticos de um mau espectáculo ou no quintal das traseiras de um vizinho pouco afamado. Vejo o que o Turismo de Portugal nunca poderá exibir, por razões óbvias e que eu próprio preferia não ter observado. Um dia gelado de Fevereiro passado parei, a caminho de Vimioso, não apenas para descansar as pernas doridas mas para alcançar, do alto de uma colina, as águas escuras e rebeldes do Rio Sabor no Inverno. Ao preparar mais uma fotografia, dei com o tal bastidor caótico que preferiria não ter avistado: colchões, tijolos, cadeiras partidas, latas de tinta. Se tivesse passado de automóvel, aperceber-me-ia do deambular do rio ao fundo e do jogo do esconde esconde com os montes transmontanos mas ficaria imune aquelas traseiras indignas.
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Mais à frente, desci até às àguas revoltas do Rio Maçãs. O Inverno chuvoso transformara os Sabor, o Tua, o Maçãs em torrentes, caudais rebeldes, a escapulir-se por entre fragas e braços de árvores caídas sem parcimónia. Junto ao Maçãs, avistei entre um punhado de silvas, uma cascata de água tão fria que só a ideia de caír dentro dela me provocou um arrepio na coluna. Culminando na queda de água, existia um ribeiro, água límpida a correr entres musgos e pedras. Foi quando vi a mesa, as pernas de madeira viradas para o ar, como um animal morto de patas para cima- sim, também já tenho o meu pedaço de avistamentos de animais junto à estrada-, as latas de tintas e pasme-se, um frigorífico.
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A displicência com que alguns usam ou se servem do nosso património natural chega a ser trágico-cómica. Na Serra da Freita, a caminho da Frecha da Mizarela, encontrei um sofá vermelho que parecia ali ter sido colocado para uma performance, uma sessão de fotos artísticas.
Mal tratada aqui e ali por este lixo doméstico e industrial, a nossa paisagem vive, bastas vezes, nua e desolada, marcada como um animal por um ferro em brasa. Os incêndios devastaram regiões inteiras, mudaram o cenário de tal forma que em Oleiros, por exemplo, os habitantes se queixavam que o clima, sem árvores, deixara de ser temperado e passara a ser seco quanto o de Castelo Branco, na planície. Em Mação, sob uma temperatura de quase 40 graus, um local encolhia os ombros quando lhe falei no risco de incêndio: “Já ardeu tudo...falta arder uns 30 por cento do concelho...”
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Quando desci do Fajão para a Barragem de Santa Luzia, no concelho de Pampilhosa da Serra, tudo o que tive como companhia foram as hastes queimadas dos pinheiros que restaram. Na Foz do Cobrão, junto às Portas de Almourão, Proença-a-Nova, fiquei com as calças riscadas de preto ao trepar uma encosta de troncos, hastes ardidas e pedras a resvalar em terreno a esboroar-se. De Colmeal (Góis) a Cepos (Arganil) subi por entre o solo negro e seco e o perfil amaldiçoado de uma floresta ardida. Às vezes, querer “descobrir” as entranhas de Portugal é também um exercício doloroso e triste.
Sempre mantive uma imagem romântica do Alto Minho, paisagem de milheirais, espigueiros e vinhas, entre cantilenas, desgarradas e concertinas. Perto de Ponte de Neiva, avancei por entre o casario até ao litoral para o ver escavacado, a areia substituída por um mar de seixos e pedras, pedregulhos grandes a proteger o portinho de Castelo de Neiva. Andei como um sonâmbulo por entre as redes e armadilhas e o colorido dos barcos dos pescadores mas já com a tristeza ferrada na alma.
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A caminho de Ponte de Lima, larguei o fumo branco da Portucel em Deocriste e enveredei pela eco-via. Em Setembro, não é de esperar grande caudal no Lima. Nos campos, alguns apanhavam as espigas dos milheirais. As tonalidades estão longe do verde de outras estações. Este ano, entretanto, as encostas do Alto Minho jazem feridas dos fogos, uma crosta infame de sarna a desfigurar a Serra de Arga. Nem sempre vemos de Portugal o que gostaríamos ver.
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25/09/10

CONCERTINAS E DESGARRADAS EM PONTE DE LIMA


“Dá licença que se toque aqui concertina?”, pergunta quase abraçado ao balcão um homem grande e calvo, ombros largos, bigode hisurto, olhar quase fulminante. A resposta da mulher do outro lado da barricada é de enfado silencioso. Aquilo ali é uma pequena pastelaria, não uma tasca e por detrás da grande figura já se vislumbra o perfil do chapéu branco de José Caxadinha, famoso cantador local de desgarradas e, para piorar as coisas, o chapéu de palha do sobrinho Pedro Caxadinha. Entre eles, apesar dos laços familiares, alimenta-se desde há anos uma rivalidade de galos cantantes. Mais do que simples tocadores de concertinas, os dois rivalizam nas deixas e no versejar endiabrado. Pedro é mais novo e ataca o trono de José com a agressividade e sangue jovem de quem pressente ter ainda muitos anos pela frente.
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De dentro do balcão, da mulher nem sim nem não mas estamos em plena noite de rusgas nas Feiras Novas, em Ponte de Lima e ninguém terá coragem de dizer que não a mais uma concertina. A desgarrada começa, Pedro sempre ao ataque, o tio mais resguardado junto aos amigos ao balcão. Tal como certamente previra a dona do pequeno estabelecimento, a desgarrada eterniza-se, os clientes que já estavam ficaram mas a entrada bloqueou com uma mole de curiosos que nem entra nem sai. Como uma luta de galos, a parada de versos vai subindo de tom e Pedro vai descobrindo pequenos episódios mais ou menos embaraçantes da vida do tio que provocam as gargalhadas da geral. As hostilidades só terminam quando o homem grande despega do balcão, parece querer cerrar as pálpebras, abre de novo a pestana e com o mesmo olhar sério do início, cai redondo no chão. Os outros homens seguram-no pelos ombros. Alguém se oferece, entre risadas, para o levar a casa e a desgarrada passa para a rua, onde milhares de pessoas cruzam o empedrado naquela que é a noite mais animada, febril das Feiras Novas.
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À medida que a noite avança, quase não se consegue circular. Aparecem concertinas e grupos a dançar um pouco por todo o lado. José Caxadinha perde-se, numa esquina movimentada, a cantar ao desafio com outros cantadores, que surgem não se sabe de onde. Um traz a camisa aberta, a garganta oleada pelo alcool. Os olhos do veterano Caxadinha raiam de sangue e brilham como berlindes na noite, todo ele contentamento.
“Eu sou tolo pela desgarrada”, explicar-me-á mais tarde Pedro Caxadinha, numa das tendas de comes e bebes da família. Não é que não goste de tocar concertina mas a adicção está nas cantigas, nas larachas, na interacção com o povo. “Isto já é de raça, de família, aprendi com o meu tio e agora é uma febre. Não perco um encontro de concertinas, uma romaria. Onde houver uma concertina, eu estou lá”.
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Para cantar a desgarrada, diz Pedro e afirmam todos, é preciso beber. “É preciso um grão na asa para soltar a imaginação mas tem de se saber beber. Quem bebe demais já não consegue cantar.”Como explica de forma prosaica outro cantador: “Tem de se aguentar de pé, se caíu, já se fodeu todo”.
Na tenda de Quim Caxadinha, onde Pedro assenta arraiais com a sua concertina, muitos aparecem para o desafiar. Alguns, definitivamente alcoolizados, a tal ponto que mal se percebe o que dizem.
As coisas azedam na tenda quando um toma como alvo uma das mulheres da casa, que há dias que só vê tachos e comida à frente. Um verso fala em “ovelha ranhosa”. Ela abre os grandes e grossos braços, pergunta “é comigo, está a falar de mim, o palhaço?” e aí vai disto, um pano encharcado em sangue assenta nas benfas do cantador malcriado. O burburinho acabará em gargalhadas mas a desgarrada transfere-se para o exterior.
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“Isto é como uma luta de galos em que o que souber mais da vida do outro e conseguir fazer rir a plateia acaba por ser o melhor”, explica Carlos Matos, outro viciado, perdão, aficcionado. As rivalidades entre eles os cantadores e tocadores são mais que muitas. “Numa romaria puxa-se muito pela concertina e cada um tem o seu afinador. A gente discute quem tem o melhor afinador, por exemplo”.
Entre todas as romarias do Alto Minho, a de São João D'Arga e a sua noitada louca em plena serra de Arga, perto de Caminha e Vila Praia de Ãncora, é a que mais atrai os amantes das concertinas e desgarradas. Chegam a ser 300 concertinas a tocar toda a noite por entre as tendas, à mistura com muita aguardente com mel. “Uma vez, comecei a tocar lá às nove da noite e só acabei às 5h00 da manhã. Rebentei a concertina e passei oito dias com as mãos inchadas”, conta um veterano.
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A noite de sábado para domingo nas Feiras Novas está para durar. Milhares e milhares de pessoas circulam, tentam circular, entre as tendas, roullotes, diversões, bandas filarmónicas, concertinas, num mar de cabeças interminável iluminado pelas luzes feéricas das decorações. De repente, vindo do outro lado do rio, estala na madrugada o fogo de artifício, recortando o perfil da multidão que se acotovela na ponte. Para o pessoal das desgarradas, o troar dos foguetes é mais um familiar som de fundo. “Eu já te tinha dito, eu já te tinha dito...”, canta Pedro, enebriado pelo cantar da concertina, peloo alcool, pelas mil luzes da noite morna e festiva, o assador de Quim Caxadinha a enviar pelo ar fiapos de lume.

COM O ÚLTIMO POÇO DA MORTE EM PONTE DE LIMA

Os olhos do Ti Henrique, aliás, Henrique Amaral, 80 anos, brilham quando um a um os espectadores do último Poço da Morte em Portugal descem as escadas e formam uma pequena fila para o cumprimentar. Apesar de, bem ao lado, possuir um pavilhão de espelhos, o Risoterapia, só a adrenalina do fundo poço de madeira o faz vibrar: as acelerações em rodopio, as palmas enquanto gira como um pião enlouquecido e ergue a bandeira nacional de olhos vendados.
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“Vou continuar enquanto tiver saúde”, explica o Ti Henrique, em plena confusão das Feiras Novas, a grande romaria de fim de Verão em Ponte de Lima. Nas Feiras Novas, durante três dias, cruzam-se bandas filarmónicas, ranchos de folclore, concertinas, desgarradas, um mar de gente circulando, mal, pelas atracções, pelas tendas de comes e bebes, pelas centenas de barracas e roulottes de feirantes.
Henrique, beirão de Mangualde, é um veterano e um pioneiro, que viu o seu primeiro poço na Feira de São Mateus, em Viseu, há muitos anos. “Eram italianos, eu tinha oito anos e nunca mais esqueci aquilo. Era o que eu queria”. Mais tarde, surgiram os poços nacionais e Henrique começou a aprender e a exibir-se num deles, aos 18 anos. Ainda trabalhou numa esfera da morte, a mesma que mantem arrumada por não ter quem trabalhe nela e aos 40 mandou finalmente construir em São João da Madeira o seu poço.
Na última década, para desgosto de Henrique, a atracção esteve semi-parada até que a SIC o descobriu e transmitiu uma reportagem em horário nobre. “Foi há três anos. O pessoal lembrou-se e começou a querer ver outra vez, muitos trazem os filhos que não conheciam isto”.
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Encontrei o quarentão Poço da Morte de Henrique Amaral enfiado a um canto triste da feira. Por momentos, temi que nem viesse a funcionar. “Sim, trabalha”, explicou um determinado Henrique, “há noite, só há noite”. Quando por lá cheguei, atravessadas as luzes feéricas e tentadoras das grandes atracções modernas, jovens em cadeiras de cabelos para o ar, a gritar como possessos e a ser sugados no ar como marionetas, não vi ninguém. Junto à velha bilheteira, nem uma alma.
Aos poucos, vindos não se sabe de onde, foram aparecendo aficcionados acedendo ao chamamento de Henrique ao microfone: “Faça como São Tomé, venha ver para crer”. Alguns, são nostálgicos dos velhos tempos, outros habitués. “Sempre que ele vem a Ponte de Lima, não perco um”, confessa um homem, “só não trouxe o meu miúdo porque tem medo. O velho (Henrique do Amaral) é um espectáculo!”
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Afinal, subidas as escadas em madeira, Henrique e Carlos, o seu empregado e colega, acabam por exibir as ruidosas máquinas rodopiantes perante um povo caloroso, que não regateia aplausos. “Obrigado, muito obrigado!”, agradece embevecido, no fundo do poço, o artista, o veterano, vestido com um fato laranja que o faz parecer um octogenário astronauta, 80 anos feitos em Fevereiro.

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Apesar da idade, da placa e dos parafusos numa perna, dos maldito ácido úrico e reumatismo, dos pedidos dos familiares, ninguem o consegue tirar dali. Muito menos agora que renovou toda a madeira e parafusos do Poço da Morte: “Está aí madeira para durar mais vinte anos. Se calhar”, diz a rir, “eu é que não duro mais 20 anos”. Apetece dizer: “Dura, então não dura!”. Se depender do optimismo e fé na vida de Henrique, o último dos quatro poços da morte que existiam em Portugal eternizar-se-á, perdurará sempre, como um ícone, um ultimo bastião do que eram e são as nossas feiras. Afinal, o que será das feiras portuguesas sem o seu poço da morte, “ a loucura sobre rodas, o total desprezo pela vida”?
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NAS FEIRAS NOVAS 2010 EM PONTE DE LIMA

De Desktop
AGRADECIMENTO ESPECIAL EM PONTE DE LIMA PARA O LUÍS LIMA E FAMÍLIA. Receberam-me com uma hospitalidade sem palavras numa altura em que descobrir um quarto na zona era como tentar descobrir uma agulha num palheiro. Abraço Luís e família!



 
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NOITE NAS FEIRAS NOVAS

 
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