DIÁRIO DE VIAGEM DO JORNALISTA NUNO FERREIRA (EX-EXPRESSO, EX-PÚBLICO) QUE ATRAVESSOU PORTUGAL A PÉ ENTRE FEVEREIRO DE 2008 E NOVEMBRO DE 2010. O BLOG INCLUI TODAS AS CRÓNICAS PUBLICADAS NA REVISTA "ÚNICA" EM 2008, BEM COMO AS QUE SÃO PUBLICADAS SEMANALMENTE NO SITE CAFÉ PORTUGAL. (Travel diaries of Nuno Ferreira, a portuguese journalist who crossed Portugal on foot from February 2008 to November 2010. contact: nunoferreira62@gmail.com ou nunocountry@gmail.com
29/11/08
PASTOR MANUEL PAIVA RAMOS, O "BALOTE"
Custou-me a trepar os dois quilómetros íngremes de Manteigas em direcção ao Covão da Ponte. Escutava uma moto-serra ao longe mas não via ninguém. Surgiram vários trilhos, não arrisquei, voltei para trás. A meio da rampa de paralelepípedos que fizera a custo vi um homem a podar videiras. Lá me indicou o caminho. Em breve, os meus pés pisavam caruma e pinhas, entre montanhas de folhas castanhas. O vento soprava forte à medida que subia, agitando as copas das árvores. Foi quando apanhei a estrada de asfalto, um vento cortante e gelado a varrer as folhas amarelas dos carvalhos negros que me apareceram os cães do "Balote" e mais tarde o dono, "Balote": "Para onde é que você vai?"
CONVÌVIO EM MANTEIGAS
Encravada na serra, espalhada por um Vale, o do Zêzere, dos mais belos do país, Manteiga encolhe-se do frio por estes dias. Muitos acabam por aquecer entre copos de tinto na Cervejaria Central, sonhando com o mar ou comentando o incêndio do dia anterior em Sarnadas. "Tinha lá sete castanheiros. É triste, não é? Eu nem vou lá ver, vou lá mais tarde", diz um corado Júlio. "Vou lá no fim-de-semana ou vou lá amanhã. É triste. Dá-me mais um copo. Ih...isso aí que o amigo 'tá a beber (aguardente de zimbro) é veneno..." Responde outro: "Já lá vai o tempo, Júlio, em que bebias às cinco e seis..." Júlio faz uma careta e volta a falar do fogo: "Pendurava o gajo que fez aquilo num poste e botava-lhe fogo".
Convidam-me a sentar e a conviver junto de torresmos e moelas. "Vá, toma lá um garfo. Come!", diz um compincha, de chapéu serrano. "Eu estive na marinha mas o que eu queria ver mesmo era os peixes, queria andar dentro do mar e ver a sereia, queria ver a sereia e os peixes todos à minha volta. És d' aonde? Dormes em minha casa".
Agora é tempo da apanha da azeitona. "Olha-me aqueles, como transportam a azeitona. Se são apanhados levam uma multa do caralho que perdem tudo o que levam ali. Quando a gente era criança, lavava-se os sacos dos adubos ou as sacas da batata e punha-se lá a azeitona. Agora não".
Júlio volta a falar dos castanheiros que perdeu. "Vou lá amanhã? É triste". Agarra o copo de tinto como um náufrago a agatanhar-se desesperado a uma bóia de salvação.
PISTA DE SKI ARTIFICIAL EM SAMEIRO, MANTEIGAS
Existe a Serra da Estrela dos dias da semana e a serra dos fins de semana. Os jeeps e as viaturas começam a chegar à sexta-feira, as crianças e os pais agasalhados com roupa muito garrida. Parei na pista de ski artificial de Manteigas e acabei a ver um grupo excursionista a caír com o rabo no chão. "Ah, vocês não são tias de Cascais, são tias de Vila do Conde..ok, vamos lá aprender", disse um instrutor para umas bem humoradas senhoras de botas altas e óculos para a neve. "Manel, oh Manel, filma-me quando descer!", grita uma.
A minha passagem pela pista de ski não acabou da melhor maneira. Uma mãe, com o embaraçado gerente da pista, dirigiu-se-me exaltada: "Olhe, vou-lhe pedir que apague imediatamente as imagens que tirou ao meu filho!"
18/11/08
BALADA DE UM PAÍS VAZIO
Barragem de Santa Luzia, Novembro de 2008. Dói ver um país assim. Enchem-se páginas de jornais e horas de telejornais sobre o silêncio de Manuela Ferreira Leite ou a eterna disponibilidade de Santana Lopes para ocupar cargos políticos. A mim dói-me mais o silêncio deste país esvaziado pela pobreza, emigração e incêndios. O que será deste território que atravesso daqui a 10 ou 15 anos? Atravesso aldeias inteiras de casas recuperadas e habitáveis onde não vive ninguém durante grande parte do ano. As festas anuais das aldeias concentram-se em Agosto, sobrepondo-se umas às outras para aproveitar a vinda dos emigrantes nas férias. Em Setembro, vai tudo embora: os emigrantes regressam a França, Alemanha, Suíça, Brasil. Os estudantes partem para as cidades apetrechadas com escolas politécnicas ou universidades. Nas aldeias ficam meia dúzia de idosos, alguns poucos jovens a trabalhar na construção civil ou nas madeiras, prontos a migrar também se um primo na Suíça os chamar. “Vou para a Islândia, o que é que achas de ir com o António para a Islândia?”, perguntava um funcionário da Câmara de Góis ao balcão de um restaurante local. “Tu vais é para casa que já bebeste demais. Tinhas de levar vários garrafões de vinho para te aguentares no frio”.
15/11/08
SABUGUEIRO
PENHAS DOURADAS
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